Há dias assim. Hoje, Público, Diário Económico e Negócios chamam à capa o impacto que a redução de juros do empréstimo a Portugal vai ter nas contas públicas. Apesar de os critérios editoriais serem aparentemente convergentes, os números são divergentes: 800 milhões segundo o Negócios e 8.000 milhões segundo o Público. O Económico adopta a solução de compromisso: “apenas” 2.000 milhões. Quem tem razão?
Possivelmente, todos; porque os valores apresentados hoje designam poupanças diferentes, tendo também fontes diferentes.
Primeiro, os números. Qual é afinal a taxa de juro cobrada pela Europa a Portugal? O figurino inicial permitia dois modelos, que é bem explicado neste documento do Banco de Portugal.
a) O Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) emite dívida garantida pelo orçamento comunitário, até um montante total de 26 mil milhões de euros. O dinheiro é libertado em 14 prestações, com o capital a ser reembolsado no final do vencimento de cada tranche (7,5 anos, em média). Os juros são pagos todos os anos, e são calculados da seguinte forma: custo de financiamento de cada tranche + margem de 215 pontos base + custos administrativos
b) O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) tem implícitas condições idênticas ao nível da maturidade, pagamento de juros, etc. Quanto à formação da taxa de juro, esta era obtida através do custo de financiamento, somado de uma margem de 208 pontos base, custos administrativos e uma sobretaxa de 50 pontos base sobre cada empréstimo. Ou seja, os juros do FEED e MEEF devem ser mais ou menos similares.
Com o novo modelo, há duas alterações: a margem de lucro (que ronda os 2%) é eliminada e o prazo de reembolso passa para 10 anos. O que é que isto implica para Portugal?
A manchete de hoje do Negócios aponta para uma poupança que pode ir até 800 milhões de euros. Este valor é fornecido indirectamente pelo próprio FMI, que calcula que a redução dos juros pode permitir uma poupança em torno dos 0,5 a 0,8% do PIB em média, ao longo dos primeiros três anos do programa. O défice reduzir-se-ia, portanto, nessa magnitude, já que o pagamento de juros é uma despesa corrente.
Já a notícia do Público estima em 8.000 milhões de euros o montante total poupado ao longo de todo em período de vigência dos empréstimos. O Negócios replicou os cálculos do Público e chegou a um valor bastante semelhante: cerca de 8,2 mil milhões de euros – isto se assumirmos, como os jornalistas assumem, que o capital tem de ser pago em 7,5 anos e meio. Caso o prazo de amortização passe para 10 anos, a poupança passa para pouco mais de 11 mil milhões de euros.
Finalmente, o Económico apresenta uma estimativa calculada por fontes europeias, que apontam para uma poupança de 2 mil milhões apenas relativamente aos empréstimos que já foram feitos. Isto porque, ficámos a saber ontem, a redução de juros é retroactiva, aplicando-se aos empréstimos que já foram concedidos.
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