As razões apresentadas pelo Governo para discriminar positivamente os rendimentos de capitais (dificuldades técnicas e necessidade de estimular a poupança), pondo-os a salvo do novo imposto extraordinário, revelam-se pouco convincentes.
Créditos: ALASTAIR MILLER/Bloomberg
Salto o argumento sobre a protecção do aforro, uma vez que o considero eficazmente rebatido por Pedro Lains: não haverá maior desincentivo à poupança do que ceifar metade do salário de que ela directamente depende.
Vamos então às razões técnicas. Estas dizem-nos que seria extremamente difícil arranjar uma solução que permitisse, a meio do ano, criar uma sobretaxa que se aplique a rendimentos sujeitos a taxas liberatórias.
Para se perceber o que isto quer dizer, pense-se num depósito à ordem que vence juros de três em três meses. Este depósito já rendeu juros em Março e em Junho, rendimento esse que já foi creditado na conta do cliente bancário líquido do IRS, uma vez que a taxa de imposto de 21,5% foi retida logo à cabeça.
O que o Governo vem dizer é que, para esses rendimentos, já não haveria nada a fazer, uma vez que eles já foram pagos à taxa que estava na altura em vigor. E, de facto, tem razão. Seria constitucionalmente duvidoso que se determinasse que juros já pagos fossem recalculados e subtraídos. E também poderia questionar-se a justiça da aplicação da sobretaxa de IRS apenas aos rendimentos que fossem pagos daqui até ao fim do ano, criando-se uma discriminação em relação aos que foram antecipados.
Contudo, há outras formas de tributar juros de aplicações financeiras e dividendos sujeitos a tributação liberatória. Desde o ano passado que a Direcção-Geral dos Impostos obriga as instituições financeiras e todas as outras que pagam rendimentos sujeitos a taxas liberatórias (seguradoras que pagam juros de fundos de poupança ou seguros de vida, empresas que distribuem dividendos, etc.) a comunicar electronicamente não só o rendimento bruto em causa como as retenções na fonte de rendimentos sujeitos a IRS.
Trata-se de uma informação individualizada, que tem de ser discriminada por cada contribuinte, apenas tendo ficado de fora os pagamentos inferiores a 25 euros (que estão muito longe dos 485 euros de mínimo de existência que estão excepcionados pela nova taxa).
Esta alteração foi introduzida no decreto-lei de execução orçamental (o que na altura até deu polémica por se considerar que o Governo estava a mexer nas regras do sigilo bancário por portas travessas, sem submeter a obrigação ao Parlamento) e está bem explicada na Portaria 454-A/2010.
Perante tão vasto e completo manancial de informação, fica a perplexidade: porque é que a Administração Fiscal não o aproveita para este efeito?
Se se suspender a regra que prevê que estes rendimentos são englobados por exclusiva opção do contribuinte, pondo-se a própria Administração Fiscal a fazer a liquidação do imposto referente a 2011 (somando-os aos rendimentos colectáveis sujeitos a englobamento como os salários, pensões, rendas), não se alcançaria o objectivo da tributação universal de todos os rendimentos?
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