O doloroso caminho de uma recessão virtuosa?

09/06/2011
Colocado por: massamonetaria

O PIB afundou mesmo no primeiro trimeste, confirmou hoje o INE. Miguel Moreira, do Montepio, evidencia o forte contributo da queda do consumo, especialmente o privado, para esta evolução. Paula Carvalho, do BPI, concorda e defende que, apesar de doloroso, este é o caminho que temos de trilhar para reequilibrar a economia. Já os economistas do NECEP evidenciam a queda histórica do investimento que está a atingir proporções “difíceis de conceber”, enquanto Bárbara Marques do Millennium BCP, sublinha o comportamento em contraciclo da economia nacional, apontando para uma recessão de 1,7% este ano.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

 

Bárbara Marques – Departamento de Estudos do Millennium BCP 

 

1. No 1º trimestre de 2011, a actividade económica contraiu 0,6% face ao período homólogo e 0,6% face ao trimestre anterior. Como já era esperado, esta evolução ficou a dever-se  à acentuada redução do contributo da procura interna (-3,4 p.p.), embora atenuada pelo comportamento positivo da procura externa líquida (2,9 p.p.).

 

2. A queda  na procura interna (-3,2% face ao 1ºT.2010) é explicada pela diminuição do consumo privado (-2,1%), decorrente da menor despesa das famílias em bens duradouros (-9,8%) e pela contracção das despesas de consumo final das Administrações Públicas (-4,3%). Confirma-se assim o efeito da contabilização da despesa de aquisição de equipamento militar no trimestre anterior, não observável agora, e as medidas de contenção da despesa pública conforme plano orçamental de 2011. Tendo em conta as previsões da Comissão Europeia e do FMI – uma redução do consumo público entre os 6,1% e os 6,8% em 2011 – e na ausência de factores contabilísticos extraordinários, nos próximos trimestres é provável que se registe um abrandamento na tendência decrescente desta rubrica. O aumento da procura externa líquida deveu-se ao expressivo crescimento das exportações de bens e serviços (8,5%) e à redução das importações (reflectindo a evolução da procura interna e eq. militar), resultando numa melhoria do saldo da balança comercial, apesar da evolução desfavorável dos termos de troca.

 

3. A economia portuguesa continua em contraciclo com o comportamento dos estados membros da União Europeia, tendo registado um crescimento homólogo negativo, somente a par da Grécia. O PIB da União Europeia a 27 aumentou 2,5%, em volume, no 1º trimestre de 2011. O ajustamento em curso da procura interna e da evolução em sentido contrário dos sectores mais expostos à procura externa é consistente com a nossa previsão de recessão na ordem de 1,7% do PIB em 2011.

 

 

Núcleo Estudos de Conjuntura sobre Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica

 

1. No 1º trimestre de 2011, a economia portuguesa registou uma quebra de 0,6% face ao trimestre anterior e uma variação homóloga também de -0,6% (no 4º trimestre de 2010, as taxas de crescimento haviam sido de -0,6% e +1,0%, respectivamente). Este comportamento do PIB revela um quadro muito negativo, transversal às diversas rubricas da procura interna: consumo privado, consumo público e investimento. O contributo da procura interna para a quebra do PIB (-3,4 pontos percentuais em termos homólogos e -3,8 p.p. em cadeia) é idêntico aos piores valores registados durante a crise de 2009, o que ilustra bem a severidade dos dados. 

 

2. O pior desempenho voltou a ocorrer no investimento, que mantém por isso uma extraordinária trajectória de quebra, com dimensões cada vez mais preocupantes e até difíceis de conceber. O mesmo se pode dizer sobre o consumo privado, que registou uma quebra em cadeia de 2,8% e uma contracção homóloga de 2,1%: estes são os piores registos desde, pelo menos, 1978.

 

Paula Carvalho – Departamento de Estudos do BPI

 

1. Apesar do negativismo dos números relativos ao andamento da actividade económica no primeiro trimestre, diríamos que estes vão no bom caminho, isto é, no caminho que se pretende trilhar: a procura doméstica sofreu uma retracção muito significativa, parcialmente compensada pelo andamento positivo da procura externa líquida. Um sinal inequívoco de contenção do consumo privado e da previsível maior cautela no comportamento das famílias foi a queda expressiva do consumo de bens não duradouros e serviços, excluindo produtos alimentares. Este agregado recuou, em termos reais e homólogos, 1.7%, a primeira queda desde que a série começou (com excepção de uma ligeira retracção de 0.1% em meados de 2009), sendo possivelmente não só consequência directa da queda de rendimento disponível (cortes salariais na função pública em Janeiro, aumento dos preços devido ao aumento do IVA, preços regulados e combustíveis) mas também resultado de uma atitude mais cautelosa que tendencialmente privilegiará a poupança em detrimento do consumo. Outra tendência a destacar, os gastos do Estado encolheram 5.4% em cadeia, também a maior retracção desde 1995, início da série disponibilizada pelo INE, sinalizando o esforço de consolidação fiscal. Finalmente, as exportações aumentaram e as importações encolheram, resultado da retracção da procura interna.

 

2. Certamente que este não é um cenário risonho nem positivo, sobretudo do ponto de vista dos sectores mais expostos à procura interna, mas vai no bom sentido dado que permite corrigir os desequilíbrios gerados no passado, recompor balanços de famílias, empresas e Estado, e reduzir as necessidades de financiamento externas. Ou seja, são sinais optimistas dado que traduzem o avanço na trajectória de correcção pretendida.

 

Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. Segundo a estimativa final do INE, o Produto Interno Bruto (PIB) português registou uma queda trimestral de 0.6%, no 1ºT2011, uma queda 0.1 p.p. inferior à reportada na estimativa rápida, depois de já ter contraído 0.6%, no 4ºT2011 (valor revisto em baixa, em 0.1 p.p., aquando da 1ª estimativa, face ao que havia sido anteriormente reportado pelo INE, aquando da recente Notificação no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos).

 

2. Trata-se, assim, da 2ª contracção consecutiva do PIB, após 3 trimestres de expansão, e que, recorde-se, aquando da 1ª estimativa, havia revelado um cenário mais bem mais desfavorável do que as Previsões de Consenso da Bloomberg (-0.3%) e do que as nossas próprias perspectivas.

 

3. Em termos homólogos, o PIB decresceu 0.6%, regressando a terreno negativo após ter passado todo o ano de 2010 a evidenciar crescimentos homólogos (+1.0%, no 4ºT2010). Esta redução reflectiu o acentuado contributo negativo da Procura Interna (-3.4 p.p.), em resultado, sobretudo, da diminuição das Despesas de Consumo Final (das Famílias Residentes e das Administrações Públicas) e, em menor grau, do Investimento. O contributo da Procura Externa Líquida aumentou, no 1ºT2011 (+2.9 p.p.), verificando-se uma aceleração das Exportações de Bens e Serviços e uma redução das Importações de Bens e Serviços.

             

4. Analisando em detalhe as variações em cadeia, esta estimativa final confirmou as nossas expectativas relativamente às fortes quedas do Consumo Privado e dos Gastos Públicos, se bem que, no primeiro caso, a queda se tenha revelado bem mais intensa do que a perspectivada. Pelo contrário, as Exportações acabaram por crescer menos do que havíamos antecipado, mas com o contributo para o crescimento do PIB das Exportações Líquidas a revelar-se bem mais intenso do que o previsto, dada a forte queda das Importações. Acresce que, contrariando as indicações dadas pelos dados mensais do INE, o Investimento em Capital Fixo (FBCF) acabou por não conseguir evitar a contracção, com o acréscimo no segmento da Construção a ser insuficiente para travar as quedas nos restantes segmentos – com destaque para os de Material de Transporte e de Máquinas e Equipamentos –, ao passo que a Variação de Existências apresentou, como esperado, um contributo negativo, corrigindo do inesperado contributo positivo observado no 4ºT2010.

 

5. O Consumo Privado registou uma forte queda trimestral de 2.8%, evidenciando um contributo negativo de 1.9 p.p. para a descida do PIB, no 1ºT2011, reflectido, essencialmente, as medidas de austeridade adoptadas no início do ano, que provocaram uma redução do Rendimento Disponível real das famílias, bem como a correcção face à antecipação do Consumo de Bens Duradouros (essencialmente, Automóveis) observada no 4ºT2010 – reflectindo, na altura, o aumento da taxa normal de IVA e do Imposto Sobre Veículos a partir do início de 2011, mas, também, o fim do incentivo fiscal ao abate de veículos em fim de vida para a aquisição de veículos novos não exclusivamente eléctricos. Com efeito, a maior queda observou-se, como esperado, no Consumo de Bens Duradouros, que caíram 14.6%, depois de terem crescido de forma intensa, no 4ºT2010 (mas menos, em +7.6%), evidenciando a 2ª queda dos últimos 3 trimestres. O Consumo de Outros Bens e Serviços (excluindo Produtos alimentares) acabou por registar também uma forte queda, em agravamento face ao trimestre anterior (-1.7% vs -1.4%, no 4ºT2010), ao passo que o Consumo de Bens Alimentares, naturalmente de procura mais rígida, acabou por cair de uma forma muito modesta (-0.3%).

             

6. O Investimento continuou a cair, para mínimos desde o 2ºT1996, tendo sido, essencialmente, penalizado pela esperada correcção da Variação de Existências, que reverteu o inesperado contributo positivo de 0.4 p.p., no 4ºT2010, apresentando um forte contributo negativo de 0.5 p.p. para o crescimento trimestral do PIB do 1ºT2011. No entanto, também o Investimento em Capital Fixo (FBCF) evidenciou, contra as indicações dadas pelos indicadores mensais do INE, uma queda, com o acréscimo observado na componente de Construção (+1.7%), a não se revelar suficiente para travar as quedas nas restantes componentes, com destaque para as registadas nas Máquinas e Equipamentos (-3.5%) e, especialmente, no Material de Transporte (-9.5%), que havia sido a única componente a crescer, no 4ºT2010 (+7.6%). Todavia, importa relembrar que os níveis de Utilização de Capacidade Instalada permanecem relativamente baixos, pelo que não seria expectável uma recuperação paulatina do Investimento antes de a actividade iniciar, ela própria, uma recuperação relativamente robusta, o que, perante a esperada contracção da Procura Interna, este ano, e consequente revisão em baixa das expectativas dos empresários, torna as Exportações no principal suporte do Investimento. É, ademais, num contexto de fraca Utilização de Capacidade Instalada que se admite que o Investimento que está a ser efectuado vise, essencialmente, a reposição de stocks, a actualização de equipamento para produzir novos produtos ou a introdução de novos processos, não tendo como causa fazer face a um crescimento da procura. Além disso, a deterioração das condições de financiamento da economia portuguesa continuarão a constituir um entrave adicional ao Investimento, na medida em que se têm vindo a reflectir no aperto das condições de concessão de crédito.

             

7. O Consumo Público observou, conforme esperado, uma forte queda em cadeia de 5.4%, corrigindo face à elevada subida registada no 4ºT2010 (+3.7%), a qual, recorde-se, havia resultado, sobretudo, da importação de equipamento militar (submarinos) e colocado o agregado praticamente em níveis máximos históricos, tendo, agora, resvalado para mínimos desde o 2ºT2008, ademais que o 1ºT2010 ficou marcado pela redução dos Salários no Sector Público.

 

8. Finalmente, as Exportações Líquidas evidenciaram um forte contributo positivo para o crescimento do PIB (+3.2 p.p.), que representa o maior das actuais séries trimestrais do PIB e depois de, no 4ºT2010, terem sido as principais responsáveis pela queda da actividade económica, com um contributo negativo de 1.0 p.p.. O dado surpreendeu, não tanto pela dimensão do contributo, mas pelo facto de este ter resultado, quase que exclusivamente, da forte queda observada nas Importações (-7.5% vs +1.8%, no 4ºT2010), penalizadas, designadamente, pela diminuição das importações de Automóveis, resultante da já referida correcção face à antecipação do Consumo observada no final de 2010 e pelo facto de, no 4ºT2010, os dados estarem empolados pela importação do submarino. Com efeito, e contrariamente ao sugerido pelos dados mensais da Balança Comercial, as Exportações acabaram por evidenciar um crescimento bastante modesto (+0.2%), depois de já terem caído 0.9%, no 4ºT2010, na altura, representando, essencialmente, uma correcção após a forte subida do trimestre anterior, que as tinha colocado no valor mais elevado desde o 3ºT2008. Este crescimento bastante modesto das Exportações deveu-se à queda nas Exportações de Bens (-0.3%), que, embora sendo bem mais modesta do que a observada no trimestre precedente (-1.6%), conseguiu anular quase a totalidade do acréscimo observado nas Exportações de Serviços, as quais expandiram pelo 4º trimestre consecutivo (+1.8%).

             

9. Na óptica da Produção, refira-se que o VAB (com Impostos) acabou por cair menos 0.1 p.p. do que o PIB, ou seja, 0.5%, mas apresentando um decréscimo homólogo superior ao observado pelo PIB (-0.9% vs -0.7%, no caso do PIB). O sector da Construção registou o comportamento trimestral mais favorável, depois de, no trimestre anterior, ter-se destacado exactamente pela razão oposta (+3.3% vs -5.5%, no 4ºT2010), representando o primeiro acréscimo dos últimos 3 trimestres. Igualmente pela positiva, e em linha com o que havia sido sugerido pelos dados mensais que haviam sido divulgados, o sector industrial conseguir registar um crescimento, com o VAB na Indústria a expandir 1.6%, pelo 2º trimestre nos últimos 3 (-0.3%, no 4ºT2010), devendo ter sido impulsionada, essencialmente, pela melhor dinâmica externa da economia, um resultado que acaba, de certa forma, por ser notável, num trimestre que terá sido especialmente marcado pelas medidas de austeridade implementadas pelo Governo, e que, já no trimestre precedente, haviam condicionado fortemente as expectativas dos agentes económicos e, nesse sentido, o Investimento empresarial. As Actividades Financeiras e Imobiliárias também expandiram, mais do que corrigindo a queda do trimestre anterior (+1.7% vs -0.9%, no 4ºT2010), o mesmo tendo sucedido com a Agricultura, que expandiu pelo 2º mês consecutivo. Como é natural, face à forte queda apresentada pelo Consumo Privado, foram, essencialmente, os Serviços os responsáveis pela queda da actividade económica, no 1ºT2011, com o sector do Comércio, Restaurantes e Hotéis a destacar-se pela negativa (-2.0%), depois de já ter caído, embora residualmente, no trimestre anterior, seguido dos Outros Serviços, que desceram pelo 4º trimestre consecutivo (-1.6%). Os Transportes, Actividades de Informação e Comunicação e a Energia, Água e Saneamento também viram diminuído o nível da actividade, ambos em 0.3%, mas, no 1º caso, representando já a 4ª queda consecutiva. Refira-se, ainda, que os sectores da Indústria e das Actividades Financeiras e Imobiliárias foram os únicos a permanecer em expansão, em termos homólogos (embora, no 1º caso, em ligeiro abrandamento), ao passo que a Agricultura regressou, agora, aos crescimentos.