Roteiro lisboeta para os homens do FMI, parte II

14/04/2011
Colocado por: João Silva

Onde comer a horas indecentes

 

É muito provável que os homens do FMI tenham algum apetite quando, a horas tardias, saírem de uma das estimulantes reuniões de trabalho no Ministério das Finanças. Posto isto, e caso não fiquem soterrados nalgum dos buracos orçamentais que vão encontrar, aqui ficam algumas sugestões de restaurantes onde se come bem até tarde.

 

Café de São Bento – Não, não se trata de uma cafetaria instalada na residência oficial de José Sócrates junto à piscina que Cavaco Silva lá construiu quando foi primeiro-ministro. Este é o local onde se serve o melhor bife à Marrare de Lisboa, o que tem muito a ver com uma equipa de tecnocratas que decidiu vir para Portugal marrar com as nossas dívidas. Quando não estão de férias, normais ou forçadas por alguma crise política, muitos deputados da Nação costumam ser vistos neste restaurante a ensopar o pão na molhanga. Tendo em conta que o manjar é suculento, não é aqui que os políticos aplicam mal o dinheiro dos contribuintes. Também é verdade que, se os problemas do país se resumissem ao nível elevado de colesterol dos membros do Parlamento, provocado por tornedós imensos e doses pantagruélicas de molho de natas, não precisávamos do FMI. A Assistência Médica Internacional de Fernando Nobre conseguiria dar conta do assunto.

 

Outro Tempo Bar – Tem um nome saudosista mas não há registo de que este restaurante seja um antro de vetustos salazaristas em conspiração para fazer regressar o ditador do túmulo. Aliás, há quem garanta que o estilo feroz do actual primeiro-ministro português já dizimou quaisquer saudades do professor de Finanças de Coimbra. Adiante. O “Outro Tempo Bar” é um forte concorrente do “Café de São Bento”. E se um dos objectivos dos homens do FMI é o de proporem medidas que incentivem a concorrência em Portugal, então vão ter de provar os bifes num e noutro local. Aqui, as cadeiras são menos confortáveis e não há veludos, o que condiz melhor com a austeridade que se pretende aplicar no país. Porém, as entradinhas, que incluem enchidos, queijo, pequenas bolas do tipo croquete, pasta de fígado, manteiga e pão, podem fazer mossa na conta e nas próximas análises ao sangue. Mas, lá está, se o pior dos problemas portugueses fosse o colesterol chamava-se Fernando Nobre para acudir, embora tenha que se ponderar a hipótese de o candidato a deputado pelo PSD estar actualmente um pouco abalado por ter confundido 600 mil votos com 600 mil devotos.

 

Cervejaria Pinóquio – É provável que alguém mais temente aconselhe os homens do FMI a não frequentarem este restaurante. Digamos que a personagem das histórias infantis que dá nome à casa tem sido relacionada com a queda irresistível do primeiro-ministro para fantasiar a realidade. A verdade é que o “Sócrates”, perdão, o “Pinóquio” serve umas gulosas doses de gambas cozidas com sal e, para rematar, uns notáveis pedaços de carne frita em alho que são apelidados de “pica-pau”. Tem a vantagem de dispor de esplanada, o que permitirá desfrutar do agradável clima lisboeta e começar a perceber por que motivos a produtividade anda um bocado por baixo no país. Como o “Sócrates”, irra, o “Pinóquio” fica situado na Praça dos Restauradores, homenagem a uns cavalheiros que há uns séculos atrás libertaram Portugal do domínio espanhol, os técnicos da “troika” terão boas razões para entenderem que, se os portugueses são loucos, o mal não é de agora. Talvez possam sugerir que o país seja novamente anexado a Espanha e que a praça em causa mantenha o nome para poder ser vendido aos fabricantes do restaurador Olex, numa rentável operação de “naming” destinada a baixar o défice público.

 

Santo António de Alfama – A revista “Time Out Lisboa” diz que este “continua a ser um dos melhores sítios para comer tarde”. Temos que acreditar. Primeiro, porque o nome da publicação que emite este juízo sobre o restaurante em causa revela virtudes premonitórias. A revista surgiu há mais de três anos e já nessa altura ostentava no título que o nosso tempo tinha terminado. Foi pena que ninguém tenha oferecido uma assinatura ao primeiro-ministro. Depois, é bom perceber que as tradições do país perduram apesar da crise. Nem muda o “Santo António de Alfama”, que “continua a ser um dos melhores sítios para comer tarde”, nem mudam os desequilíbrios no Orçamento do Estado, que continua a ser um dos melhores sítios para alguns privilegiados comerem a qualquer hora. Este restaurante está localizado num dos bairros tradicionais de Lisboa, onde os rivais dizem que ainda habitam exemplares de uma espécie em extinção. São os “marialvas”. Os moradores nos bairros rivais vizinhos garantem que não serão as pessoas mais indicadas para ajudarem os tecnocratas a analisar a despesa corrente primária, mas adiantam que podem ser muito úteis para descortinar maroscas na despesa corrente primata.

 

Comida de Santo – O Massa Monetária não tem a certeza, mas está desconfiado que este foi o primeiro restaurante de comida brasileira a abrir em Lisboa. De qualquer forma, o facto é pouco relevante quando aquilo que suscita curiosidade neste momento é saber se será o primeiro a falir. Serve deliciosas feijoadas que podem ser deglutidas em absoluta segurança a horas tardias. Bem vistas as coisas, se os homens do FMI têm estômago para propor mais aumentos de impostos e cortes nas pensões de reforma, também devem aguentar uma feijoada antes de se irem deitar. Se tiverem problemas, um Pepsamar resolve o assunto. Ainda por cima não tem comparticipação do Estado. Há um ponto em que os tecnocratas podem ter razão para se recusarem a fazer uma refeição neste local. Depois de passarem um dia inteiro a papar documentos de contabilidade pública, não terão grande vontade de preencher o serão com um dose suplementar de comida de (Teixeira dos) Santos.

 

E, ainda, uma dica: se não quiserem experimentar um destes locais, peçam ao ministro das Finanças para fazer um dos petiscos que os amigos lhe costumam louvar. Sim, Fernando Teixeira dos Santos pode não ter grande talento para dominar as finanças públicas mas parece que na cozinha não costuma falhar as previsões. Quando diz que vai assar umas febras, são mesmo umas febras assadas que saem da grelha. Assim, os técnicos da “troika” ficarão também a saber para que actividade tem o ministro mais aptidões: se para cozinhar comida ou para cozinhar orçamentos do Estado.