Mario Draghi, presidente do BCE e Vítor Gaspar, ministro das Finanças português Fonte: Bloomberg.
Há um debate a decorrer na blogosesfera sobre Portugal e o BCE. Ou melhor: sobre o que é que o BCE pode (deve) fazer pelo pequeno país da periferia. No debate estão Tyler Cowen (Marginal Revolution), Ryan Avent (Free Exchange – Economist), Karl Smith (Forbes) e Paul Krugman a fazer uma aparição no final.
Mas o que junta tão distintos “bloggers” em torno de Portugal e do BCE? A resposta está num dos maiores problemas da união monetária, o que em “economês” ganhou o nome de “fragmentação financeira da Zona Euro” ou de “travão/problema no mecanismo de transmissão da política monetária”.
Dito assim parece complicado mas é na verdade relativamente simples: as taxas de juro em Portugal (e periferia da Zona Euro) continuam exageradamente elevadas apesar das decisões de cortes de juros adoptadas pelo BCE. Isto significa que o BCE é mais autoridade monetária da Europa “core” do que da Europa do Sul, visto na periferia onde não consegue baixar os custos de financiamento mesmo para empresas e projectos saudáveis. Isso significa muitas empresas e muitos empregos destruídos por uma ineficiência da união monetária.
Mas será que o BCE não consegue ou não quer? É este o debate que vai quente.
É certo que o BCE e Mario Draghi deram passos importantes para garantir a sobrevivência do euro, merecendo destaque a cedência ilimitada de liquidez aos bancos por prazos longos, a criação de um mecanismo de compra de dívida pública e a pressão para a criação de uma união bancária que vai, aos poucos, fazendo o seu caminho
Mas podem desenvolvimento justificar a inacção nos casos em que existam mais instrumentos anti-crise disponíveis? E será que existem?
Ryan Avent, no Free Exchange, abre o debate sugerindo que sim, que há instrumentos que o BCE poderia utilizar, como o mecanismo de “empréstimos por crédito concedido” adoptado durante a crise no Reino Unido. Trata-se um mecanismo no qual o banco central aceita dos créditos que estes concederam às PME dando-lhes em troca activos com menos risco (por exemplo obrigações) – activos estes que os bancos, por sua vez, podem usar como colateral nos empréstimos que pedem ao banco central para financiar a economia
Esta opção, à semelhança da compra directa aos bancos de créditos concedidos a PMEs, são variações do “quantitative easing” (alívio quantitativo, em tradução livre), um instrumento de política monetária que o BCE se tem recusado a utilizar, ao contrário do que fizeram a Reserva Federal norte-americana (Fed) e o Banco de Inglaterra (BoE).
Este tipo de políticas visa:
1) Estimular uma economia quando as taxas de juro já não podem baixar mais – contornando a chamada armadilha da liquidez; e ou
2) Baixar as taxas de juro onde elas permanecem elevadas por problemas no mecanismo de transmissão da política monetária;
Os cépticos usam vários argumentos contra o “quantitative easing” (QE):
– Injectar mais dinheiro na economia gera inflação sem estimular efectivamente o crescimento, atiram tipicamente os alemães;
– O BCE já fornece liquidez sem limites, diz por seu lado o BCE;
– Os problemas estruturais do Sul resultam de níveis de endividamento pouco saudáveis nos sectores privado e público e falta de reformas estruturais;
– As economias do Sul são pouco competitivas e precisam é de ajustar os salários nominais para ganharem competitividade e assim crescerem;
Tyler Cowen, do Marginal Revolution, está entre os cépticos e em dois posts expõe, com clareza, os problemas que o QE enfrenta, usando para isso Portugal como exemplo:
P1) Há um problema de risco moral na compra de activos: o banco central estaria a incentivar os bancos a emprestarem dinheiro mesmo que a projectos pouco válidos;
P2) Se o BCE injectar mais no Sul, os fundos limitar-se-ão a “caminhar” novamente para o Norte, onde estão os investimentos e os bancos mais seguros;
P3) Injectar mais dinheiro na economia da Zona Euro criará inflação na Alemanha (e salários mais elevados) sem gerar muita mais procura por bens de Portugal, visto que Portugal e Alemanha não competem em muitos mercados e a Alemanha não compra assim tantos bens a Portugal;
Uma chamada de atenção Luis Aguiar-Conraria a uma partilha de Pedro Lains nota que, entretanto, Tyler Cowen respondeu a Krugman que havia contestado esta ideia. Cowen alerta para a inexistência de resultados definitivos quanto ao impacto das taxas de câmbio reais sobre as exportações e lembra que uma desvalorização do euro (motivada por inflação mais forte na Alemanha) também aumenta a factura mais elevada das importações: a energia.
P4) A acção do BCE poderá ajudar a resolver o diferencial de salários entre Portugal e a Alemanha, mas não resolve os problemas bancários do Sul: demasiado endividamento, falta de reformas estruturais;
P5) Vender activos aos alemães criará problemas políticos graves a Sul;
Cowen recebeu respostas de Krugman, Avent e Karl Smith que tentamos organizar:
1) Mais inflação (e salários mais altos) a Norte são essenciais para o funcionamento regular da união monetária – esse é um mecanismo central no reajuste de preços relativos (a alternativa é o esforço de deflação a Sul com níveis de desemprego catastróficos), explica Karl Smith. Mais dinheiro a Norte permitirá aos agentes económicos olhar com interesse para o Sul, comprar e investir aí, complementa Avent;
2) A ideia de recusar mais activismo monetário porque ele não resolve todos os problemas do Sul é considerada inaceitável por Avent: não resolve todos, mas resolve alguns e ajuda na situação grave em que Portugal e outros países se encontram e portanto deve ser usado, defende;
3) Krugman, por seu lado, diz que mais inflação a Norte implica não só mais procura e investimento da Alemanha no Sul. Implicaria também um euro mais fraco que promoveria as exportações portuguesas para Alemanha (nos produtos que compitam com países fora do euro), mas também ajudaria às vendas directas para outros destinos fora da Zona Euro
4) A ideia de que, no Sul, se aceita melhor o desemprego do que a venda de activos a estrangeiros é questionada por Avent;
5) Finalmente, argumentam Krugman e Avent, mais inflação a Norte é, nesta situação, uma obrigação dos países do Norte da união monetária. Este pode ser um projecto económico mas também é, em grande medida, um projecto político com obrigações dos vários lados nos momentos difíceis.
Tyler Cowen contesta esta argumentação moral sobre questões económicas. Antes de chegar aí, defende, o que importa é estabelecer um consenso sobre quais os reais impactos em Portugal de mais inflação na Alemanha.
A concentração dos argumentos em torno das pressões inflacionistas resulta da importância das dinâmicas macroeconómicas para resolver os problemas do euro, mas reflecte também o papel central da Alemanha e da sua aversão à inflação na hesitação que o BCE demonstra em adoptar uma política monetária mais agressiva.
Paralelamente valeria a pena debater mais profundamente a eficácia destes instrumentos a baixar os juros na periferia e qual o risco para o BCE de embarcar por este caminho. A Alemanha, o BCE e outros duvidam. Fed e BoE, com desempregos bem mais baixos, acham que faz sentido.
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