Fonte: Miguel Baltazar/Negócios
Vale a pena ler o “tema de discussão” que abriu o último boletim económico do Banco de Portugal que foi dedicado a propostas para combater a segmentação do mercado de trabalho nacional. Como evidenciámos no final da semana passada no Negócios, trata-se uma verdadeira proposta de contra-reforma laboral apresentada pelos economistas do banco central num momento em que o Governo avança com alterações ao código de trabalho e subsídios de desemprego. Mas, para além da substância do artigo há um outro elemento que merece atenção. Em dois boletins económicos consecutivos, o Banco de Portugal apresenta críticas concretas – e em alguns casos com veemência– às políticas económicas adoptadas pelo Governo. A acutilância dos dois documentos indica que há sentimento de urgênciana Almirante Reis no que diz respeito aa políticas que, na sua interpretação, poderão mitigar os elevados riscos que o processo de ajustamento carrega.
Em Janeiro, no Boletim Económico de Inverno, o BdP avisou para a importância de avançar com uma estratégia clara e integrada de reformas estruturais. Como evidenciámos aqui num post titulado “Carlos Costa avisa Passos: reformas estruturais são urgentes“. Entre outros avisos o BdP escreveu:
Protelar a sua implementação [das reformas estruturais] atrasará a recuperação da economia e impedirá que a economia portuguesa acompanhe a fase ascendente do ciclo económico global.
A simples adopção de uma miríade de medidas de políticas avulsas, desfasadas e incongruentes cria grande incerteza sobre os seus impactos, e uma fadiga face ao processo de reformas que põe em causa a sua eficácia global.
No boletim divulgado a semana passada a atenção acabou concentrou-se no mercado de trabalho, com o artigo já citado. Mário Centeno e Álvaro Novo defendem, por exemplo, o fim dos contratos a prazo e a implementação de um contrato único, com alterações substanciais no subsídio de desemprego. No Negócios destacámos as alterações concretas propostas contra a segmentação:
Fim do contrato a termo
Uma das propostas mais ousadas passa pela abolição dos contratos a termo – que ficariam reservados para situações pontuais como substituição de licenças por maternidade – e pela criação de um contrato único com características diferentes das que vigoram actualmente. Quais? Novo e Centeno respondem: definir menores custos processuais no despedimento e um conjunto limitado de razões não económicas para o fazer, implementar indemnizações mais generosas, períodos experimentais mais prolongados e prazos mais alargado para o pré-aviso de despedimento.
O objectivo é aliviar os custos processuais associados ao despedimento – a Justiça só se ocuparia de despedimentos por justa causa e por razões não económicas –, mas ao mesmo tempo aumentar o custo financeiro suportado pelas empresas nas indemnizações, de forma a que estas suportem o custo social do despedimento.
Por outro lado, e porque a probabilidade de encontrar um emprego melhor é maior “nas primeiras semanas após a perda do anterior”, o pré-aviso por parte das empresas também deveria chegar mais cedo aos trabalhadores, escrevem. Neste modelo de contrato único, os períodos de experiência seriam alargados.
O subsídio de desemprego é um seguro
Outra das transformações centrais defendidas pelos dois especialistas está no subsídio de desemprego. E também aqui as diferenças com o plano aprovado pelo executivo são grandes. O ponto de partida está em concretizar esta prestação como um sistema de seguro para a perda de emprego. Nada nela deve ter um cariz social que, a fazer falta, deve ser garantido por outras políticas, defendem.
Assim, o subsídio deve ser universal, mas curto na duração, incentivando a procura de emprego. Deve também ser função do tempo que o beneficiário trabalhou e descontou (e não da sua idade) e idealmente incluiria um mecanismo de adaptação ao ciclo económico (ou seja, a duração aumentaria nas fases baixas do ciclo e vice-versa). Além disso, o valor do subsídio deverá ser próximo do valor do último salário (o Governo baixou o valor máximo de 1.257 euros para 1.047 euros) e as empresas que tenham mais ex-trabalhadores a receber o subsídio deverão também pagar contribuições superiores.
Finalmente, e em termos de políticas activas de emprego – de que não são especialmente entusiastas –, os dois economistas propõem a implementação de mecanismos de apoio e controlo do esforço de procura de emprego, associados a penalizações por não cumprimentos.
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016