Ou melhor, provavelmente nunca existiu essa proeza da política económica que passa por gerar crescimento económico a partir da aplicação de receitas de forte austeridade orçamental. Muito defendida durante quase duas décadas, a ideia sofreu um forte revés há um ano com críticas do FMI. Recentemente, ao críticos juntou-se um nome de peso: Roberto Perotti, um dos promotores mais destacados das consolidações orçamentais expansionistas. O Negócios entrevistou-o para perceber porquê.
As consolidações orçamentais expansionistas transformaram-se num dos tópicos controversos nos debates entre escolas de pensamento económico. Keynesianos e liberais concordam que a médio longo prazo é bom ter contas públicas próximas do equilíbrio e níveis de dívida pública contidos. Mas daí a pensar que a austeridade pode gerar crescimento no curto prazo vai uma grande distância. Do lado dos keynesianos mais “duros”, aliás, tal coisa não poderia existir: se se dá um estímulo negativo à economia, ela reage negativamente. Ponto.
Mas apesar de contraintuitiva, desde meados dos ano 90 uma miríade de economistas apoiou a existência das consolidações orçamentais expansionistas no curto prazo. E conseguiu mesmo levar a ideia até ao centro de importantes organizações, como o BCE ou o FMI, que durante anos as defenderam. A narrativa era a seguinte: os países que apliquem políticas de reequilíbrio das contas públicas, rigorosas e centradas no lado da despesa, conseguirão ganhar a confiança dos investidores e demais agentes económicos, promovendo assim o crescimento da economia. Se a essas políticas se juntarem moderação salarial e controlo de inflação e juros, então a receita é seguramente vencedora. Duvidam? Então olhem para os casos da Dinamarca ou Irlanda nos anos 80, e da Finlândia e Suécia nos anos 90, respondiam.
Entre os mais destacados promotores destas conclusões estiveram Alberto Alesina e Roberto Perotti (ambos entre os 5% de economistas mais citados no mundo). Em conjunto publicaram dois influentes artigos sobre o tema (em 1995 e 1996), concluindo que as consolidações pelo lado da despesa tendem a ser expansionistas. A ideia fez o seu caminho e Alesina continua a defendê-la como fez no Ecofin de Madrid em 2010. Já Perotti, mudou de ideias: Em Novembro publicou um artigo no NBER, que titulou, “O mito da austeridade: gain without pain” onde conclui contra a existência de tais consolidações, e no qual encontra explicações alternativas para os anteriores casos de sucesso.
Ao Negócios, Perotti diz que mudou de opinião, apoiando agora as conclusões do FMI de 2010 quando, pela primeira vez, se opôs à existência das consolidações orçamentais expansionistas. O economista diz que as metodologias usadas pelo FMI acrescentam qualidade à análise e convenceram-no de que, de facto, não houve consolidações orçamentais expansionistas. Da análise a Dinamarca (1982-86), Irlanda (1987-90), Finlândia e Suécia (1993 – 1998) conclui que desvalorizações cambiais e exportações foram os factores decisivos para o crescimento destas economias. Perotti diz também que nas economias desenvolvidas não há hoje espaço para que reduções de juros, inflação ou salários que consigam promover o crescimento.
As conclusões de Perotti poderão usadas para defender ritmos de consolidação diferentes na Europa, mas não para contra-atacar as receitas de austeridade na periferia europeia: Portugal, Grécia ou mesmo Itália não têm outra hipótese, diz o economista que tende a concordar com as condições alemãs para imposição de regras orçamentais mais duras: “Não se pode pedir ao contribuinte alemão que pague a factura sem condições”, diz ainda ao Negócios.
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