Lições económicas das revoltas populares no Egipto e Tunísia (para Pequim e Lisboa)

14/02/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, e Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, evidenciaram na semana passada alguns dos aspectos económicos e institucionais por detrás das revoltas no Egipto e Tunísia. Discordando em alguns aspectos, ambos deixaram avisos à China. Mas será que também há possíveis lições para as democracias ocidentais, nomeadamente para Portugal?

 

Crédito: Axel Seidemann/Bloomberg, Cimeira G-8, em França em Junho de 2003 “Mubarak no meio dos poderosos”*  

 

Vale a pena olhar para os aspectos de divergência e convergência entre Eichengreen e Rodrik.

  

a) Ambos notam o sucesso das políticas de crescimento económico e sociais:

 

Annual growth since 1999 has averaged 5.1% in Egypt, and 4.6% in Tunisia – not Chinese-style growth rates, to be sure, but comparable nonetheless to emerging-market countries like Brazil and Indonesia, which are now widely viewed as economic successes

Eichengreen

 

The HDI is a measure of development that captures achievements in health and education alongside economic growth. Egypt and (especially) Tunisia did well enough on the growth front, but where they really shone was on these broader indicators

Rodrik

 

b) Mas divergem sobre a importância dos factores económicos nas recentes revoltas. Para Eichengreen, o descontentamento popular é claramente alimentado pelo contributo evidente da má distribuição da riqueza; enquanto para Rodrik, a questão central prende-se com a falta de liberdade destas ditaduras:

 

there is no question that the upheavals in both countries – and elsewhere in the Arab world – largely reflect their governments' failure to share the wealth  

the problem is that the benefits of growth have failed to trickle down to disaffected youth.

Eichengreen

Protesters in Tunis and Cairo were not demonstrating about lack of economic opportunity or poor social services. They were rallying against a political regime that they felt was insular, arbitrary, and corrupt, and that did not allow them adequate voice

Rodrik

 

c)  E ambos traçam um paralelismo com a situação chinesa, embora por razões diferentes. Eichengreen diz que a China tem de se preocupar com as desigualdades e com a corrupção; Rodrik centra-se na importância de reformar o sistema politico;

 

It may stretch credulity to think that a high-growth economy like China might soon be facing similar problems. But the warning signs are there. Given the lack of political freedoms, the Chinese government's legitimacy rests on its ability to deliver improved living standards and increased economic opportunity to the masses. So far those masses have little to complain about. But that could change, and suddenly.

Eichengreen

 

Rapid economic growth does not buy political stability on its own, unless political institutions are allowed to develop and mature rapidly as well. In fact, economic growth itself generates social and economic mobilization, a fundamental source of political instability. 

 

The Chinese leadership's gamble is that a rapid increase in living standards and employment opportunities will keep the lid on simmering social and political tensions.   That is why it is so intent on achieving annual economic growth of 8% or higher – the magic number that it believes will contain social strife.

 

But Egypt and Tunisia have just sent a sobering message to China and other authoritarian regimes around the world: don't count on economic progress to keep you in power forever.

Rodrik

 

d) O paralelismo entre o Egipto e a China parece ter sido feito pelas próprias autoridades chinesas, pelo menos decretaram um controlo apertado sobre a informação veiculada por jornais e internet relativa ao Egipto. Compreende-se: a espontaneidade, rapidez e imprevisibilidade das revoltas do Norte de África não podem senão criar desconforto em países sem regimes democráticos e em grande transformação económica e social.

 

e) Mas se a associação entre o descontentamento popular de egípcios e tunisinos e os das populações de outros países não democráticos é relativamente imediata, será que há o risco do descontentamento popular chegar às democracias ocidentais, nomeadamente a Portugal? O Negócios publicou recentemente uma infografia que permite alguma comparações de Portugal com Egipto e Tunisia:

  

1) Embora tenha um PIB per capita superior, Portugal cresce bem menos

2) O nível de literacia é maior em Portugal

3) A taxa de desemprego (10,7%) é superior à do Egipto (9,2%) e inferior à da Tunisia (13,2%)

4) Portugal tem uma desigualdade de rendimentos, medida pelo índice de Gini, superior à do Egipto e inferior à da Tunisia

 

Olhando apenas para a frente económica, e atentanto as considerações de Eichengreen, Portugal parece ter factores de de descontentamento suficientes para ficar preocupado: cresce menos, é tão ou mais desigual que estes países e tem tanto ou mais desemprego (O facto de ter uma taxa de literacia superior pode até ser um factor mais mobilizador do descontentamento, como aliás nota Rodrik no seu texto) 

 

É claro que a situação política é bem diferente. Mas o marasmo que o país enfrenta nesta frente, os níveis de corrupção percepcionados pela população e fenómenos como a adesão viral a hinos de descontentamento (como a adesão à recente música dos Deolinda) não permite que se olhe para o lado.

 

Rodrik “avisa” a China e as outras ditaduras que ter crescimento económico não chega para manter o poder e a estabilidade. Pois ser uma democracia pode também não chegar. Especialmente se moribunda politica e economicamente.

 

 

 

* French President Jacques Chirac, front centre, gestures at a group photo for G8 members and their guests at the G8 summit in Evian, France, Sunday June 1, 2003. Front row from left: Mexican President Vincente Fox Quesada, President of the Republic of Senegal Abdoulaye Wade, Nigerian President Olusegun Obasanjo, Egyptian President Hosni Mubarak, French President Jacques Chirac, Algerian President Abdelaziz Bouteflika, South African President Thabo Mbeki, Russian President Vladimir Putin, Indian Prime Minister Atal Bihari Vajpayee. Middle row from left: Kofi Annan, Secretary-General of the United Nations, Prince Abdullah bin Abdul Aziz Al Saud, Crown Prince of Saudi Arabia, Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva, U.S. .President George W. Bush, Chinese President Hu Jintao, Swiss President Pascal Couchepin, Malaysian Prime Minister Dr Mahathir Bin Mohamad, Canadian Prime Minister Jean Chretien. Back row from left: Supachai Panitchpakdi, Director-General of the World Trade Organization, James Wolfensohn, President of the World Bank, Greek Prime Minister Konstantinos Simitis, Japanese Prime Minister Junichiro Koizumi, British Prime Minister Tony Blair, Italian President Silvio Berlusconi, Romano Prodi, President of the European Commission, Horst Koehler, Managing Director of the International Monetary Fund  

 

 

 

 

Rui Peres Jorge