Sabia que a maior diferença entre os países excedendários e os deficitários foi o desempenho das importações e não o das exportações? Esta é uma das conclusões mais surpreendentes de um estudo que a Comissão Europeia publicou no final do ano passado, e no qual oferece um análise profunda aos desequilíbrios externos na União Europeia com o enfoque nos países excedentários. Vale muito a pena ler “Current account surpluses in the EU”. Esta semana publicámos no Negócios seis das conclusões que nos pareceram mais interessantes que recuperamos aqui.
Défices dependeram mais de importações que de exportações
Uma das conclusões que poderá surpreender mais os leitores é o facto de que, segundo a Comissão, “a principal diferença entre os países credores e os deficitários tem sido o desempenho das importações”, lê-se logo nas primeiras páginas do estudo “Current account surpluses in the EU”. Os economistas de Bruxelas notam que entre 1999 e 2007 as exportações cresceram cerca de 8% por ano nos oito países excedentários analisados, contra 7,25% na média da Zona Euro. Já as importações cresceram abaixo da média.
Excedentes tendem a concentrar-se territorialmente
Segundo a Comissão Europeia, na União Europeia, “é mais provável que um país tinha um excedente comercial se os seus principais parceiros também tiverem excedentes comerciais”, o que coincide com a prevalência de défices a Sul e excedentes a Norte. No entanto, esta relação ao nível da balança comercial inverte-se quando se consideram as relações financeiras. Ou seja, na UE “é mais provável um país registar um défice na sua balança financeira se os seus principais parceiros financeiros registarem excedentes”.
Poupança alta com investimento baixo gerou excedentes
Países excedentários pouparam muito (27% do PIB em 2007) mas investiram relativamente pouco (20% do PIB no mesmo ano). O excedente de poupanças foi canalizado para o Sul por vários instrumentos, desde instrumentos de dívida e empréstimos interbancários, até investimento directo estrangeiro. Já os países do Sul, com poupança interna mais baixa (17% do PIB em 2007), registaram de níveis de investimento semelhantes aos do Norte (24% no mesmo). Quando a crise chegou faltou o financiamento e o investimento afundou nos periféricos.
BCE mutualizou os riscos privados do Norte
Com as tensões agravadas nos mercados financeiros e o fecho dos mercados interbancários, o BCE foi forçado a aumentar a cedência de liquidez. O dinheiro foi usado em parte pelos bancos do Sul para pagarem a credores, muitos deles do Norte. As dívidas do Sul (e os riscos do Norte) foram transferidas numa parte considerável para o BCE. “A exposição das grandes economias excedentárias às economias vulneráveis da Zona Euro foram, por isso, mutualizadas em certa medida entre todos os países do euro”, lê-se no relatório
Efeito preço pode ser dramático em tempos de crise
Em tempos normais a valorização dos activos de cada país não é um factor a que se preste muita atenção. No entanto em crises como a actual a sua variação pode gerar efeitos espectaculares. Por exemplo, entre 2007 e 2011, a carteira de activos da Alemanha, o maior entre os países excedentários, caiu 550 mil milhões de euros (3,5 vezes o PIB português). Entretanto já recuperou parte. Ao contrário, a posição de investimento internacional de vários devedores melhorou entre 2007 e 2011 beneficiado da desvalorização da sua dívida.
Deficitários beneficiam pouco da procura dos credores
A Comissão considera que, embora positivo, “o impacto de um aumento da procura interna [nos países excedentários] na redução dos défices da periferia não deve ser sobreestimado”. É que enquanto os países devedores concentram o seu comércio nos países excedentários, já estes têm as suas redes de comércio muito mais diversificadas, pelo que “o efeito positivo de um aumento das importações dos países excedentários será espalhado por um conjunto de outros países” dentro e fora da União Europeia.
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