Chumbo do Constitucional terá puxado pelo PIB

14/08/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

A economia portuguesa cresceu 1,1% em cadeia no segundo trimestre e superou todas as previsões. Filipe Garcia, da Informação de Mercados Financeiros, diz que são bons resultados mas avisa para impactos negativos dos impactos da austeridade de 2014. Rui Bernardes Serra, do Montepio, identifica cinco factores que terão ajudado a economia a crescer e entre eles está o Chumbo do Tribunal Constitucional. 

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.   

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros

1. Trata-se do primeiro crescimento positivo em cadeia desde o 3º trimestre de 2010. Este é um número positivo, que de certa forma já era aguardado em função dos indicadores de atividade que já eram conhecidos, nomeadamente o comportamento das exportações. Os números do PIB são corrigidos de sazonalidade, mas o próprio INE destaca que, este ano, a evolução do crescimento está a ser influenciada por um efeito de calendário que beneficia o 2º trimestre em relação ao anterior, sobretudo pela importância que as exportações têm ganho no cenário actual.

 

2. Mais do que uma inversão de ciclo, para já apenas podemos falar em tentativa de estabilização da economia portuguesa. O comportamento das exportações tem sido positivo, mas é cedo para se concluir que a procura interna irá recuperar de forma sustentável. Os números mais recentes do comércio internacional também já mostravam uma estabilização das importações, o que aponta para uma normalização na evolução do consumo privado e do investimento.

 

3. Assumindo que o contexto internacional seja favorável, os grandes riscos estão relacionados com 2014, nomeadamente com a aplicação de um Orçamento 2014 que deprima a procura interna como resultado da reforma do Estado ou de novas medidas de austeridade.

 

4. Será também em 2014 que se levantarão mais dúvidas sobre a capacidade de Portugal voltar aos mercados. Dado que se prevê que o país venha a garantir uma linha de crédito preventiva, pode ser necessário implementar mais medidas de consolidação orçamental.

 

Rui Bernardes Serra – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. A estimativa preliminar do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal no 2ºT2013 apontou para uma subida de 1.1%, a maior desde o 1ºT2010 (igualmente +1.1%), após uma queda de 0.4% no 1ºT2013. Este crescimento superou a mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.1%), bem como as nossas perspectivas um pouco mais optimistas (Montepio: +0.4%), sendo o maior crescimento observado entre os países da União Europeia, e até mesmo superior ao dos EUA (+0.4%) e do Japão (+0.6%). Note-se que tínhamos um modelo alternativo – híbrido, juntando dados provenientes do lado da oferta e da procura – que sinalizava um crescimento pontual de 0.9%, com um erro padrão de 0.5 p.p., pelo que, à luz desse modelo, um crescimento de 1.1% seria admissível.

 

2. A economia regressou assim ao crescimento após um período de recessão que durou 10 trimestres, tendo o PIB no 1ºT2013 se situado no nível mais baixo desde o 2ºT2000. Com esta subida, recuperou da queda registada no 1ºT2013 (-0.4%), mas não na observada no 4ºT2012 (-1.8%, a maior queda desde o 1ºT2009, quando a economia mundial se encontrava na Grande Recessão). De resto, também a contracção de 0.6% observada no 4ºT2012 no conjunto da Zona Euro foi a maior desde aquele trimestre. No ano de 2012 registou-se simultaneamente a menor (-0.1% no 1ºT2012) e a maior contracção trimestral durante a recessão. Note-se que o PIB português é particularmente volátil, sendo que a média móvel de 4 trimestres revelou uma contracção de 0.5% face ao ano móvel terminado no 1ºT2013, o primeiro abrandamento nos últimos 5 trimestres, mas ainda uma queda, depois de no ano móvel terminado no 1ºT2013 se ter registado uma contracção de 1.0%, a maior desde o 1ºT2009 e a 9ª consecutiva.

 

3. Em termos homólogos o PIB contraiu 2.0%, depois de ter descido 4.1% no trimestre anterior (valor revisto em baixa em 0.1 p.p.), passando da maior queda desde o 1ºT2009 para a menor desde o 3ºT2011. Segundo o INE, a diminuição menos intensa do PIB em termos homólogos traduziu sobretudo a redução menos acentuada do investimento, com destaque para a FBCF em construção, e a aceleração expressiva das exportações de bens e serviços, em parte associada ao efeito de calendário relativo ao período da Páscoa (celebrada em Março em 2013, enquanto em 2012 foi celebrada em abril).

 

4. Regressando à análise da variação do PIB face ao trimestre anterior, a impulsionar a economia deverão ter estado os seguintes fatores: i) o referido efeito da Páscoa, que empolou as exportações de bens que deveriam normalmente ter sido realizadas no final de Março, mas que, em virtude dos feriados pascais, foram expedidas já em Abril (note-se que, ao nível dos serviços de turismo, terá acontecido exactamente o contrário, com as dormidas a ser empoladas em Março, e prejudicadas em Abril); ii) a saída da recessão da Zona Euro (cujo PIB cresceu 0.3%); iii) a comparação com um primeiro trimestre em que a economia caiu mais do que era esperado, por um lado devido a condições meteorológicas adversas – que afectaram a agricultura e a construção – e por outro devido a uma atitude excessivamente cautelosa por parte dos empresários no investimento em existências, que faz com que o volátil contributo da variação de existências se cifrasse -1.2 p.p.; iv) a ausência da aplicação imediata de novas medidas de austeridade (que vinham penalizando o rendimento disponível dos agentes e o poder de compra), com impacto em alguma recuperação da confiança dos agentes económicos; v) o facto de o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) ter-se consubstanciado na prática numa redução do aperto orçamental, já que as medidas chumbadas implicaram, no curto-prazo, mais despesa pública, enquanto as medidas de substituição encontradas pelo Governo não têm uma natureza imediata.

 

5. As nossas anteriores perspectivas eram de que o 2º trimestre do ano poderia marcar o fim da recessão, apontando-se então para uma certa estabilização da actividade na 2ª metade do ano. Agora, face ao forte crescimento registado no 2ºT2013, é de admitir a possibilidade de alguma correção no 3ºT2013, já que, como referido, as exportações, nomeadamente, estiveram um tanto empoladas no 2ºT2013, devido ao facto de a Páscoa ter adiado para o início de Abril exportações que em condições normais teriam sido realizadas no final de Março. Relativamente ao 4ºT2013, apontamos para uma certa estabilização em cadeia, o que pressupõe que as exportações líquidas compensem a contracção da procura interna. Mas este cenário não está isento de riscos, que dependem sobretudo da intensidade das novas medidas de austeridade que vigorarão no próximo ano. Basta recordar que nos últimos anos, os finais de ano foram marcados por fortes quedas no PIB, justamente devido aos anúncios de novas medidas, que penalizaram a confiança dos agentes económicos, levando-os a reverem em baixa as suas perspectivas para o futuro.

 

6.Note-se que a este respeito existe uma elevada incerteza, na medida em que ainda não é clara a dimensão das medidas a tomar pelo Governo (que resultará de novas negociações com a troika, a ocorrerem), sendo que o corte de 4.7 mil milhões de euros, no âmbito da reforma do Estado, até 2014, que é o plano actualmente estabelecido com a troika, teria um impacto fortemente negativo sobre a actividade no curto-prazo. Já a aceleração da economia europeia poderá beneficiar mais intensamente as exportações portuguesas – que, apesar do esforço de diversificação, ainda estão muito direccionadas para os nossos parceiros europeus, nomeadamente Espanha – e, dessa forma, suportar o crescimento económico. No conjunto do ano de 2013, a economia poderá cair apenas 1.9% (anteriormente apontávamos para uma queda de 2.2%), no pressuposto de que existe de facto uma correcção parcial da forte subida do 2ºT2013 e uma estabilização nesses níveis no 4ºT2013

 

7. Apontamos para que a economia regresse aos crescimentos consistentes sobretudo a partir da Primavera do próximo ano, já que até lá a procura interna será condicionada pelo anúncio em concreto e pela posterior entrada em vigor, previsivelmente no início de 2014, de novas medidas de consolidação das finanças públicas, que devem estar explanadas no OE 2014.

Rui Peres Jorge