Se é incontestável que as prioridades mais imediatas são a manutenção de condições de liquidez adequadas e o reforço do capital do sistema bancário, no médio prazo, é essencial assegurar em Portugal níveis de poupança interna que permitam reduzir a dependência dos mercados financeiros internacionais, reforçando a resiliência do sistema financeiro nacional e as condições gerais de estabilidade financeira
Carlos Costa, governador do Banco de Portugal
As palavras de Carlos Costa, proferidas numa conferência bancária na semana passada, passam despercebidas. Mas na verdade escondem uma agenda de governação económica para os próximos anos. Uma agenda que responde a um diagnóstico consensual entre os elementos da troika: o sistema financeiro português cresceu demais (outra forma de escrever o mais frequente ‘os portugueses endividaram-se demais’) e agora terá de fazer o doloroso percurso inverso. Estado, empresas e famílias vão ter de reduzir o seu endividamento. Os bancos reduzirão os seus activos e balanços. É inevitável.
Esta é uma três das dimensões centrais do acordo com a troika, como o Negócios procurou sintetizar em três artigos publicados recentemente (e cujas conclusões recuperaremos abaixo). Este é também o grande desafio de Carlos Costa, o governador que a crise provavelmente tornou no mais importante em Portugal desde as intervenções do FMI há 30 anos – a par com José Silva Lopes (1975-1980) e Manuel Jacinto Nunes (1974-75 e 1980-85).
Os primeiros meses de Carlos Costa como governador do Banco de Portugal foram confusos. Ora pareceu proteger o Governo na frente orçamental, ora pareceu atacá-lo. Ora saiu em defesa dos bancos, ora afirmou a sua autoridade perante o mais decano dos banqueiros. Intencional ou não, mas de certa forma simbólico da sua preocupação de gestão do duplo tabuleiro económico e político foi a sua primeira entrevista, concedida em Fevereiro: escolheu um jornal económico, mas optou por uma conceituada jornalista de política.
Mas esta sensibilidade pode vir a revelar-se uma arma importante: nunca desde os 80 o País viveu uma conjuntura tão adversa de riscos políticos e económicos. A sua gestão vai exigir capacidade de gestão económica e política. Sobre Carlos Costa recai muita expectativa, nomeadamente da própria troika. E especialmente se das eleições não sair um solução governativa estável e com força democrática, revelaram várias fontes ao Negócios.
Afinal, nas cartas de intenção enviadas a Bruxelas e ao FMI em nome de Portugal estão dois nomes: o seu e o do ministro das Finanças. Acontece que segunda-feira, dia 6, Teixeira dos Santos estará fora do Governo. Carlos Costa, pelo contrário, celebra o primeiro de cinco anos do seu mandato.
Governador assume assim uma dupla tarefa: promover a implementação do plano de ajustamento acordado com a troika e, em especial, ter sucesso na sua dimensão financeira, que a Comissão Europeia, num documento de perguntas e respostas, descreve como:
Uma estratégia para o sector financeiro baseada numa desalavancagem equilibrada e ordeira enquanto mantém um nível adequado de capital nos bancos, através da recapitalização feita através do mercado, reforçada por mecanismos de apoio
Há duas semanas, e durante três dias, o Negócios procurou sintetizar os principais instrumentos para a desalavancagem. Deixamos as nove medidas que consideramos centrais:
O reforço do sistema financeiro
a) Aumento dos rácios de capital da banca e disponibilização de 12 mil milhões de euros para recapitalização e 35 mil milhões para emissões garantidas de dívida;
b) Melhoria no Banco de Portugal dos sistemas de acompanhamento do endividamento da economia e da solvência dos bancos;
c) Reforço da segurança dos depósitos através do fundo de garantia de depósitos;
O plano para reduzir o endividamento
a) O BdP pretende em primeiro lugar focar-se na redução do endividamento das grandes empresas e do Estado; seguem-se as famílias e só depois as PME; Os bancos serão afectados durante todo o processo;
b) Os bancos terão de apresentar planos individuais de financiamento e actividade que serão analisados pelo banco central;
c) O rácio de transformação (relação entre empréstimos e depósitos) é um dos mais elevados da Europa, e vai ter de baixar;
O País prepara-se para o aumento das insolvências
a) A legislação sobre insolvências de empresas e familias vai ser agilizada, de forma a promover recuperações mais rápidas;
b) Os bancos será incentivados a precaverem e avisarem sobre os riscos da sua própria insolvência;
c) O Banco de Portugal, no âmbito da supervisão comportamental, passará a prestar especial atenção às relações enrte banca e clientes no momento da insolvência ou dos problemas financeiros e não, como acontece até agora, no início das relações contratuais
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