Um subprime público e a inviabilidade da Madeira

10/10/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

A Madeira enfrentará em breve um duro programa de ajustamento económico, como lembra Pedro Passos Coelho. Mas, mais preocupante para os madeirenses que a austeridade que aí vem é a perspectiva de inviabilidade económica do seu arquipélago cujo modelo de desenvolvimento apresenta sinais evidentes de esgotamento. Turismo e construção, os dois motores de crescimento da região estão – e tudo indica que vão continuar – em declínio, uma tendência que Alberto João Jardim falhou em contrariar, e para qual não se conhece uma estratégia de combate convincente. Um programa de ajustamento tem de levar este desafio em conta.

 

É habitual ouvir que não houve uma bolha imobiliária em Portugal. Mas isso não é bem verdade. Na Madeira, uma parte importante do dinamismo das últimas décadas dependeu do sector da construção – de túneis como habitualmente se vinca, mas também de equipamentos e habitação sociais (e alguma habitação privada). Uma análise às vendas de cimento em Portugal e na Madeira são esclarecedoras:

 

 

Índice de vendas de cimento (1991=100)

 

Fonte: INE, Direcção Regional de Estatística, Negócios  (No caso da Madeira, o índice foi construído a partir da série de vendas de cimento da Direcção Regional de Estatística; no caso de Portugal o índice é apenas uma transformação do índice divulgado pelo Banco de Portugal)

 

Os dados mostram que mesmo depois da crise do sector iniciada em Portugal continental em 2001, a construção continuou a crescer na Madeira. Os dados referentes ao cimento vendido na Madeira dão conta de quase 800 mil toneladas comercializadas em 2004 (um crescimento de mais de 300% face a 1991). Desde então a queda é abrupta: em 2010 as vendas foram de 250 mil toneladas (estando ao nível de 1991).

 

Esta bolha tem alguns paralelos com o “subprime” norte-americano: tal como nos EUA, grande parte do “boom” económico foi financiado por crédito com fins imobiliários, o qual foi concedido por instituições financeiras a devedores com má qualidade de crédito (governo e empresas da Madeira), com poucas perspectivas de rendimento (crescimento potencial baixo, menores transferências do Continente e de Bruxelas) e com declarações de rendimentos e de compromissos assumidos pouco transparentes, mas ignoradas pelos bancos (como agora se veio a descobir).

 

É certo que neste caso foi o Estado, e não os cidadãos, a acumular grande parte da dívida. Mas uma coisa é certa, a bolha rebentou, e no fim serão os cidadãos e os seus impostos que as vão pagar, um peso carregarão por muitos anos. E tal como no “subprime”, pelo meio estão relações privilegiadas do poder político com o económico e financeiro, e várias irregularidades e abusos que vão sendo conhecidos aos poucos.

 

Um trabalho de Vítor Ferreira no Público descreveu recentemente algumas das relações de poder em torno do sector da construção (que, até agora, construiu 65 túneis na ilha). Jaime Ramos, o secretário-geral do PSD/Madeira é um “industrial da construção” com ligações a mais de 40 empresas. António Candelária, autarca de Santana, e outro homem forte do PSD, saiu da Madeira para o Brasil sem voltar, isto depois de uma acusação de corrupção sobre a construção de um campo de ténis na sua autarquia. Os dois presidentes dos clubes locais, Marítimo e Nacional, que historicamente mantêm relações próximas com Jardim, têm empresas no sector, segundo relatos do jornal.

 

É curioso notar que foi exactamente com o início da crise nacional no sector da construção – 2002 a 2004 – que Alberto João Jardim, provavelmente confrontado com menos receitas, começou a acumular endividamento a um ritmo mais elevado. Endividamento que não teve pudor em esconder, contornando as limitações que resultavam da Lei das Finanças Regionais aprovada por essa altura.

 

A máquina não podia parar, e não parou de facto, como revelou agora a última inspecção às contas da Madeira, que descobriu mais de mil milhões de euros em dívida, colocando o endividamento regional nos 6,3 mil milhões de euros, ou 123% do PIB. Um valor que não inclui os encargos com PPP (para perceber a dinâmica da dívida na Madeira vale a pena dar uma vista de olhos ao post do Pedro Romano aqui no massa monetária). Chegados a 2011, o travão vai mesmo ser imposto.

 
Um modelo esgotado

 

Mas o problema da Madeira é mais profundo que a crise da construção. Dados de 2008 revelam que quase metade da população da Madeira (44%) trabalha em um de três sectores: construção, comércio e alojamento e restauração. Muito mais do que pelo seu sector público, a Madeira destaca-se da média nacional e dos Açores pelo grande peso da construção e do alojamento e restauração no emprego, como mostram os dados mais recentes do INE:

 

Peso dos vários sectores no emprego total. Valores em percentagem 

 

Fonte: INE, Negócios

 

 

Os dados não surpreendem face à importância do turismo e da construção para a região que chegou a segunda mais rica do País. Mas infelizmente esta é uma história de sucesso que está a chegar ao fim. O sector da construção (16,6% do emprego), pressionado pelas restrições orçamentais e pelo apertar das condições de financiamento permanecerá deprimido por muitos anos. No sector do turismo, as notícias não são animadoras (comércio e restauração e alojamento explicam 27% do emrpego).

 

Conversas com operadores revelam que no mercado há a percepção de que a Madeira – embora continuando um destino conhecido a nível internacional – está em declínio, enfrentando sérias dificuldades em renovar um leque de clientes demasiado centrado nas terceiras idades britânica e alemã. Os hotéis da Madeira concorrem cada vez mais pelo preço em detrimento da qualidade do produto, o que é evidenciado por exemplo pelo baixos preços médios e pela proliferação de campanhas “tudo incluído” (dormida, refeição, deslocação) nos pacotes vendidos aos turistas.

 

Dados do Turismo de Portugal confirmam as dificuldades. Desde 2004 que o número de dormidas na Madeira está estável entre as 5,5 e as 6 milhões de dormidas opr ano, com as receitas entre 2001 e 2010 a crescerem a um ritmo médio de 2,4% ao ano, ou seja, um aumento real quase nulo se se descontar o efeito da inflação.

 

Os dados relativos ao desemprego na Madeira confirmam aliás esta crise. A taxa de desemprego no segundo trimestre deste ano atingiu os 13,5%, um máximo nacional e um crescimento impressionante nos últimos anos, mesmo quando comparado com a evolução no Continente.

 

Encontrar um modelo de crescimento numa zona ultra periférica é difícil, mas o que Alberto João Jardim fez nos últimos ano foi (fazer) acreditar que tinha encontrado uma solução. Na prática criou uma saída pouco sustentada baseada num “off-shore” (que tem os dias contados), de uma bolha na construção, e de condições orçamentais e financeiras que o beneficiaram ao longo de anos.

 

É por isso difícil aceitar, como João Jardim disse ontem, que os problemas da Madeira sejam o “o resultado do descalabro dos interesses económicos, políticos e financeiros de Lisboa”. Mas é exactamente por serem problemas mais profundos e estruturais do que o líder madeirense assume que Lisboa não pode tratar a Madeira como apenas um caso de grave indisciplina financeira – que manifestamente é. Um plano de ajustamento para a região tem, por isso, levar em conta a necessidade de garantir uma saída de crescimento para o arquipélago.

Rui Peres Jorge