Um orçamento extraordinário

11/04/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Fonte: Negócios 

 

O orçamento rectificativo, actualmente no Parlamento, está a ser apresentado como uma forma de registar a transferência dos fundos de pensões da banca para a segurança social e de acomodar a ligeira revisão em baixa do crescimento. Contudo, quando se olha para as novas previsões de receita e despesa, e se ajustam os impactos das operações extraordinárias, é difícil reconhecer no documento as bases do que foi prometido o ano passado (ao mesmo tempo que se aprovavam as medidas de austeridades mais duras da história). É caso para dizer que mais que o um orçamento rectificativo, trata-se de um orçamento extraordinário.

 

No relatório de aprovação do Orçamento do Estado para este ano, ainda sem a transferência do fundo de pensões, o Governo apontava para um défice de 5,9% do PIB em 2011. O valor para 2012 seria de 4,5% do PIB, o representava um corte no défice de 1,4 a 1,5 pontos, ao qual se chegava por uma redução da despesa de 2,3 pontos, que mais que compensava a degradação da receita (0,9 pontos):

 

 

Chegados a Março, a realidade é bem diferente. O Governo aprovou a maior receita extraordinária de sempre (a transferência dos fundos de pensões) e acabou por fechar 2011 com um défice de 4,2% do PIB. O impacto é tal que o défice para 2012 irá até aumentar para 4,5% do PIB (mais 0,3 pontos), o que resulta de uma queda de receita (1,6 pontos) superior ao corte na despesa (1,3 pontos):

 

 

Como é evidente, o impacto dos fundos de pensões (e outros efeitos extraordinários menores) distorce demasiado as contas para se conseguir perceber exactamente o que está a acontecer no orçamento entre 2011 e 2012. Sem as medidas temporárias quanto cairá o défice? E o ajustamento será feito mais pela despesa ou pela receita? Estas são perguntas centrais do debate técnico e político. A UTAO fez as contas e os resultados são surpreendentes:

 

 

 

Ajustado das medidas temporárias de ambos os exercícios (sobretaxa extraordinária em sede IRS para os rendimentos mais elevados, transferência dos fundos de pensões, efeito da recapitalização do BPN, concessão de licenças de 4ª geração móvel), obtém que o défice de 2011 se ficou pelos 7,9% do PIB. Sabe-se ainda que o défice deste ano foi revisto em alta para 4,8% do PIB.  Daqui resulta que entre 2011 e 2012, o défice orçamental sem efeitos temporários irá cair 3,1 pontos de PIB, com a receita a contribuir com 75% desse esforço, deitanto por terra a ideia de uma consolidação orçamental feita estruturalmente do lado da despesa.

 

A UTAO fez aliás o mesmo ajustamento de medidas temporárias para os valores que estavam inscritos no relatório de Orçamento, de forma a permitir a comparação com o rectificativo e daí concluir sobre a a evolução estrutural da consolidação. Eis o que escrevem os especialistas do Parlamento:

 

O OER/2012 incorpora revisões significativas nos níveis de receita e de despesa na ótica da contabilidade nacional. Se no OE/2012 se previa que o contributo para a redução do défice fosse repartido numa proporção de 1/3 para o aumento da receita (1,1 p.p. do PIB) e de 2/3 para a diminuição da despesa (2,3 p.p. do PIB), no âmbito do OER/2012 o contributo destes dois agregados inverteu-se, passando o aumento da receita a representar 3/4 (2,3 p.p. do PIB) e a diminuição da despesa apenas 1/4 (0,7 p.p. do PIB) desse ajustamento.

 

Chegados aqui, dada a profusão de medidas extraordinárias e a forma como estas transvestiram as contas, parece razoável dizer que mais que um orçamento rectificativo, estamos perante um orçamento extraordinário.

 

Nota final:  

 

O Partido Socialista tem vindo, ao longo deste ano, a acusar o Governo (e implicitamente a troika) de truques orçamentais e de ter apresentado propositadamente um cenário pior que o esperado durante o ano passado para legitimar medidas de austeridade. As acusações são graves e difíceis de provar. Mas uma coisa parece certa: se a capacidade de previsão do Governo é tão má quanto mostra a comparação entre OE e OE rectificativo, não há forma de ficar descansado sobre quaisquer garantias do Executivo relativamente à execução orçamental deste ano. Novamente a preciosa UTAO, com uma comparação entre os dois documentos e que já exclui o efeito de medidas temporárias:

 

  

 

Ou seja, no OE Rectificativo, para 2011, o Governo reviu em baixa quer a previsão de despesa, quer a previsão de receita em valores que ultrapassam os mil milhões de euros (O Orçamento do Estado inicial foi apresentado em Outubro). Já para este ano, as Finanças reviram em alta as previsões de despesa e de receita, e também em montantes significativos.

 

Isto significa, por exemplo, que o corte estrutural de despesa de 4,8 mil milhões de euros entre 2011 e 2012 prometido em Outubro no OE será, afinal, de 2,5 mil milhões, revela o rectificativo. E o aumento estrutural da receita, estimado em Outubro em 1056 milhões, terá agora de ser de 2,8 mil milhões.  

Rui Peres Jorge