Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo Fonte: Jock Fistick/Bloomberg
Se está com dificuldades em perceber a união bancária de que tanto se fala, não se preocupe demais. Mesmo economistas e alguns altos responsáveis governamentais estarão confusos. E a razão é simples: as negociações sobre o tema são mesmo uma grande confusão. Aqui ficam alguns elementos que poderão ajudar a perceber aquela que é considerada a maior transferência de soberania nacional desde a criação do euro.
1. A união bancária tem como principal objectivo quebrar a relação entre o risco de solvabilidade dos Governo e o dos bancos. Para isso deverá contar com:
a. Mecanismo Comum de Supervisão: (SSM, liderado pelo BCE) terá a cargo a supervisão prudencial dos bancos da Zona Euro;
b. Mecanismo Comum de Resolução: (SRM, actualmente em negociação) terá como missão avaliar e propor a reestruturação de instituições financeiras com problemas de solvabilidade e proporá a melhor forma de o fazer.
c. Fundo Comum de Resolução (FCR, actualmente em negociação): servirá como um seguro a nível europeu financiado pela própria indústria (embora possa levar dez anos até atingir o total da capacidade financeira esperada), o qual será activado nos caos em que o SRM decide que não será possível recuperar as instituições;
d. Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM/MEE, o sucessor do FEEF que emprestou dinheiro a Portugal): poderá passar a recapitalizar directamente os bancos europeus (ao contrário por exemplo do que aconteceu em Espanha em que o dinheiro para a banca fez aumentar a dívida pública espanhola).
e. Sistema comum de garantia de depósitos: Para ter uma união bancária efectiva, será necessária a criação de um sistema comum garanta os depósitos até 100 mil euros. Este tema no entanto não está ainda na mesa de negociações;
2. O SSM, o SRM, o FCR e a possibilidade de recapitalização directa deverão estar operacionais em Novembro de 2014. Para isso é essencial que os governos acordem nos aspectos essenciais em falta (mecanismo e fundo de resolução e a recapitalização directa) até ao final do ano, início de Janeiro no máximo. Só assim será possível completar todo o processo legislativo antes de o Parlamento Europeu ser dissolvido para eleições em Maio.
3. Estas metas podem ser relevantes porque no Outono de 2014 os bancos europeus serão informados das necessidades de recapitalização identificadas nos testes de stress e nas avaliações de activos que serão realizados pelo BCE. Mario Draghi tem insistido na importância dos líderes europeus preparem soluções orçamentais que possam acomodar potenciais choques;
4. Os líderes europeus declararam estar prontos para apoiar os bancos em caso de necessidade, mas não chegaram a acordo nem em relação ao mecanismo e ao fundo de resolução comuns, nem em relação à possibilidade de recapitalização directa pelo ESM/MEE.
5. Sem união bancária e recapitalização directa a funcionar – ou a funcionar mas sem possibilidade de se aplicar às necessidades de financiamento que decorrer da avaliação que o BCE está a preparar –, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM/MEE) só poderá emprestar aos bancos via Estados-membros, e as regras de “bail-in” serão as definidas nas actuais regras de “ajudas de Estado” europeias, nomeadamente:
a. Em primeiro lugar, os bancos procuram soluções de mercado para as suas necessidades financeiras, o que inclui o “bail-in” de detentores de obrigações juniores (mas não de séniores nem de depósitos acima de 100 mil euros)
b. Caso esse esforço não chegue, será a vez dos Governos entrarem em acção injectando capital nos bancos até ao limite do que conseguirem;
c. Se o limite for ultrapassado, o país requer assistência financeira e o ESM/MEE emprestará dinheiro, mas sem recapitalização directa – o significa que a dívida ficará registada nas contas.
6) Com a união bancária a funcionar e a possibilidade de recapitalização directa (o que neste momento parece possível apenas para o futuro), o ESM/MEE poderá passar a ser accionista nos bancos e a recapitalização respeitará a Directiva de Resolução e Recuperação Bancária (DRRB), a qual implica regras de “bail-in” mais duras para o sector privado:
a. Os bancos continuarão a ter de procurar soluções de mercado para as suas necessidades financeiras, e avançar o “bail-in” de credores, incluindo além dos detentores de obrigações júniores, também as obrigações séniores e os depositantes acima de 100 mil euros – embora estes fiquem numa posição preferencial face a outros credores.
b. Caso esse esforço não chegue, será a vez dos Governos entrarem em acção injectando capital nos bancos até ser atingido um rácio de capital “core tier I” de 4,5%. Caso o Governo não consiga financiar por si este limite, poderá pedir assistência ao ESM – que emprestará directamente ao Estado;
c. Para elevar o rácio de capital acima dos 4,5% até aos limites exigidos pelas regras europeias de supervisão prudencial, o ESM poderá então recapitalizar directamente os bancos. Nestes casos o o Estado-membro deverá contribuir com um montante que pode chegar a 20% do capital público injectado, e o ESM tornar-se-á accionista do banco;
7) Finalmente, nos casos em que a conclusão do Mecanismo Comum de Resolução é que um banco não é viável e que, portanto, deverá ser resolvido, isto é, fechado ou transformado numa outra instituição que possa ser viável, então será a vez do Fundo Comum de Resolução entrar com dinheiro para fazer face às perdas. Como o FCR não tem ainda capacidade financeira e demorará quase dez anos até atingir o seu volume máximo (cerca de 1% do total de depósitos seguros – abaixo de 100 mil euros) poderá ter que pedir emprestado ao ESM. O ESM só poderá emprestar se forem compridas as regras de “bail-in” privado definidas na Directiva de Resolução e Recuperação Bancária.
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