O Estado vai encaixar cerca de seis mil milhões de euros naquela que é, de longe, a maior receita extraordinária da história: a transferência de fundos de pensões da banca confirmada na sexta-feira. Perante tamanha operação, o Governo pouco explicou sobre as suas diversas dimensões, divulgando informação avulso. Mas afinal o que já se sabe sobre a operação? Quando e para onde vai o dinheiro?
Impacto no défice orçamental de medidas extraordinárias desde 2000
Fonte: Banco de Portugal *O facto de existirem despesas extraordinárias (a vermelho) com impacto positivo no défice (2000, 2002, 2007, 2008), decorre de algumas receitas de capital, como vendas de concessões, serem inscritas em contas nacionais como “despesa negativa”. Em 2010 é o único ano em que se registam medidas extraordinárias com impacto negativo significativo no défice (quase dois mil milhões): são o BPN e BPP.
Vamos então ao que se sabe (e ao que não se sabe):
a) Os seis mil milhões de euros, que equivalem às responsabilidades cobertas dos vários fundos de pensões da banca, serão registados em contabilidade nacional (a que conta para Bruxelas e que regista compromissos em vez de pagamentos e recebimentos) como receita deste ano. Assim, baixa o défice orçamental que conta para Bruxelas nesse montante: 3,5 pontos de PIB. Tal como o Negócios avança hoje, admitindo que não existem mais derrapagens orçamentais, o défice orçamental deveria ficar na casa dos 4% do PIB. Isso significa também que seria evitável o corte de meio subsídio de Natal este ano, já que essa medida vale 0,5 pontos de PIB. A meta internacional é de 5,9% do PIB (O Negócios questionou o Governo sobre se ponderou essa hipótese, mas não recebeu resposta).
b) O dinheiro entra todo este ano? Não. Para que, em contabilidade nacional (a tal dos compromissos), a operação seja registada na totalidade este ano, mais de metade do dinheiro terá de entrar nos cofres do Estado ainda em 2011 (já em contabilidade pública regista-se exactamente o que entra e sai nos cofres do Estado, e não os compromissos assumidos). Na sexta-feira Hélder Rosalino, o secretário de Estado da AP, admitiu uma entrada em “caixa”, em 2011, um pouco mais de 50% do total, isto é, acima dos três mil milhões de euros. Nesta frente, é importante ter presente que o memorando de entendimento estabelece também um limite de défice em contabilidade pública de 10,3 mil milhões de euros.
c) Mas… como entra, e para onde vai o dinheiro? Bom, grande parte do dinheiro que entrar este ano financiará o défice de 2011 (que derrapou de forma significativa) garantem várias fontes. Do restante, dois mil milhões, garante o primeiro ministro, servirão para pagar dívidas em atraso do Estado, embora ainda não se saiba com que critérios, e a quem (o TC deveria provavelmente gastar aqui algum tempo). É já certo que o sector da Saúde será um dos mais visados, dado o elevado endividamento. Com o final do ano a chegar, os pagamentos deverão começar a ocorrer só em 2012. também aqui o Executivo ainda não foi claro.
d) Outro tema que permanece nublado é a criação de um fundo autónomo (associado à Segurança Social?) que ficará responsável pelos pagamentos das pensões dos bancários. Ontem, Pedro Passos Coelho levantou o véu, afirmando que “do total de activos, uma parte tem de ficar por conta das responsabilidades imediatas: os pensionistas e reformados que no próximo ano têm de receber pensões e reformas. Outra parte deve ser capitalizada de forma a garantir que, no futuro, essas responsabilidades continuarão a ser saldadas pelo Estado sem agravamento de outros contribuintes”. É este fundo que permitirá a estes pensionistas não ter o corte do 13º e 14º mês, como acontece aos restantes. Não se sabe quanto dinheiro terá efectivamente este fundo. Nem se percebeu como é que com a criação deste fundo é possível ainda assim ter um “excedente de liquidez” – como lhe chamou ontem o primeiro ministro – para pagar dívidas em atraso.
Eis o que se sabe (e o que não se sabe) do ponto de vista orçamental sobre este negócio que envolve vários milhões. Voltaremos ao tema e aos seus detalhes quando houver mais informação. É que parafraseando Belmiro de Azevedo, citado pelo Expresso em 2006, quando confrontado pelo filho com os planos de OPA à PT: “É pá, isso é muita massa”.
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