Restauração: muitas queixas para poucas obrigações

16/10/2011
Colocado por: Elisabete Miranda

O sector da restauração tem sido um dos mais activos na contestação ao aumento do IVA que provavelmente se avizinha, tendo conseguido arrematar para o seu lado pesos-pesados da opinião pública como Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, a julgar pelos números, a amplitude do protesto é inversamente proporcional às obrigações tributárias que, no seu conjunto, cumprem. Senão vejamos.

 

1) Ano após ano, as estatísticas do IRC mostram que apenas 25% das empresas deste sector declaram lucros e entregam algum imposto ao Estado – contra uma média de 50% a nível nacional, um número que, já de si, indica uma grande fuga aos impostos. Claro que é legítimo argumentar que, em muitas situações, este resultado não se deve à sonegação do volume de negócios, mas antes resulta das dificuldades de um sector saturado, com excesso de concorrência, e pouca massa crítica.

 

 

2) Mas se analisarmos o IVA que dá entrada nos cofres do Estado verificamos que, em termos agregados, não é essa a explicação que sobressai para o fraco contributo fiscal que dão. Segundo números fornecidos pela AHRESP nas vésperas da apresentação da proposta de Orçamento, a restauração e bebidas facturou 7,2 mil milhões euros e o alojamento mais 2,33 mil milhões. Aplicando uma taxa de IVA de 13% e 6%, respectivamente, a cada um dos segmentos, obtém-se uma receita bruta potencial de imposto superior a mil milhões de euros.

 

 

 

Contudo, as estatísticas oficiais dizem que, em 2009, a restauração e o alojamento entregaram ao Estado uma receita bruta de imposto (sem contar com o IVA que é devolvido) de 297 milhões de euros, menos de 30% da receita bruta potencial. Dando como válidas ambas as fontes de informação, estamos perante um “colossal desvio” de impostos.

 

 

3) Não é por isso de estranhar que nos estudos sobre economia paralela o sector encabece os de maior propensão à evasão, logo depois da problemática construção. No último relatório elaborado pelo austríaco Friedrich Schneider para a Visa, a hotelaria e restauração é um dos sectores com maior propensão à evasão fiscal: num conjunto seleccionado de países europeus onde Portugal se inclui, 19% do PIB gerado passa à margem do circuito legal.

 

  

Legenda: barra laranja: PIB oficial em mil milhões de euros; barra azul: volume de economia paralela; linha: economia paralela em percentagem do PIB)

 

 

4) As causas destas coisas estão mais que estudadas. Neste como em muitos sectores recorrem-se a diversos expedientes para dissimular os proveitos, reduzir os impostos a pagar ao Estado, e ninguém melhor que o Fisco as tem identificadas.

 

Falta saber porque há tão parcos resultados no combate a estes fenómenos. Mesmo não trazendo à liça os já estafados indicadores de base técnico-científica que estão há 13 anos à espera de serem adoptados, veja-se o que acontece com a obrigação que os restaurantes têm de, desde 2006, passar automaticamente uma factura sempre que a venda é superior a 9,98 euros.

 

Pois basta sair à rua para atestar que são poucos os que não esperam pelo pedido do cliente para emitirem factura. E fazem-no com a naturalidade de quem não teme sanções pelo incumprimento.  

 

 

Conclusão: se o Fisco continuar a exibir tão modestos resultados, o aumento do IVA não aquece nem arrefece – quando muito, como diz o “professor Marcelo”, aumentará ainda mais a evasão. Continuará a ser pago pelos consumidores e a ficar estacionado nas caixas registadoras de muitos comerciantes, bem longe dos depauperados cofres públicos.

Elisabete Miranda