Os últimos desenvolvimentos da crise estão a conduzir o debate económico para um ponto de alguma raridade. Cada vez mais economistas de esquerda e direita alinham no diagnóstico de que Portugal terá de reestruturar a sua dívida, valendo mais fazê-lo cedo do que tarde. Esta confluência de posições está a deixar muitos responsáveis políticos e económicos do euro numa posição desconfortável, pois empurra-os contra um cenário temível: quais seriam os efeitos de contágio que uma decisão de reestruturação ou renegociação de dívida num país da Zona Euro poderá ter na União Monetária? “Uma caixa de Pandora”, descrevia ontem um quadro técnico do Estado ao Negócios. “É apenas adiar o inadiável”, diz Rodrigo Olivares-Caminal, especialista internacional em incumprimentos soberanos.
Um dos primeiros “posts” do massa monetária intitulou-se “uma questão de solvência” e chamava a atenção para um número significativo de economistas a desaconselhar a estratégia europeia de resgate, defendendo que o problema dos periféricos, e de Portugal em particular, era uma questão de insolvência. Nesse mesmo contributo recuperámos as contas de Jorge Bateira, nos Ladrões de Bicicletas, onde o economista, com uma simples simulação, evidenciava a insolvência nacional. A restruturação era então tida como inevitável.
Os argumentos de economistas como Bateira ou Ricardo Cabral, que o Negócios hoje entrevista, têm sido veementemente refutados pelo FMI, seja para a Grécia, seja para Portugal. Em Setembro, o seu director para os assuntos orçamentais assinou um esclarecedor artigo – sobre a posição oficial do Fundo e sobre a necessidade de o fazer – onde respondeu, argumento a argumento, aos que defendem a reestruturação.
Para o FMI, uma reestruturação de grande dimensão teria efeitos muito negativos em termos reputacionais, e não resolveria os problemas de base das economias: desequilíbrios orçamentais exagerados e falta de crescimento. Por isso, recomendavam as actuais políticas de austeridade e reformas estruturais, a receita que vai ser aplicada a Portugal.
“O FMI e a EU não estão a conseguir convencer os mercados, alguma coisa mais tem de ser feita” ou “É adiar o inadiável” é a resposta de Rodrigo Olivares-Caminal um argentino, especialista em incumprimentos soberanos. Em entrevista ao Negócios (apenas disponível em papel) não tem dúvidas: a reestruturação/renegociação da dívida vai acontecer na Grécia e em Portugal. Porque é inevitável, e porque é melhor para os dois países.
Olivares-Caminal e as conclusões de um estudo académico também hoje analisadas na edição em papel do Negócios revelam que os custos reputacionais para os países que optam pelo em incumprimento por necessidade absoluta não são assim tão grandes. Quanto aos custos económicos versus inevitabilidade de uma renegociação são convincentes as posições de economistas tão liberais como Kenneth Rogoff (ex-economista-chefe do FMI) ou tão intervencionistas como Costas Lapavitsas (um dos responsáveis pelos relatórios do Research on Money and Finance). Mas, então, porque não seguir esse caminho?
A resistência parece encontrar força em duas ordens de razões: por um lado nas perdas que seriam impostas ao sistema financeiro num momento de relativa fragilidade da banca. Por outro, no que um quadro técnico do Estado descreveu ontem ao Negócios como a “abertura de uma caixa de Pandora” na Zona Euro, da qual poderiam sair fugas de capitais, falências de bancos e movimentos violentos e desordeiros de dinheiro, ameaçando, no limite, a própria Zona Euro. Exagero? Talvez (voltaremos ao tema num post em breve). Mas você estaria disposto a arriscar?
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