Reestruturação de dívida: o elefante dentro da sala

23/10/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge
Reestruturação de dívida pública voltou a ser debatida esta semana no Parlamento

Reestruturação de dívida pública voltou a ser debatida esta semana no Parlamento

A reestruturação da dívida pública é o elefante dentro da sala europeia. Todos o vêem, todos sabem os estilhaços que poderá fazer, mas ninguém o incomoda.

 

 

A aparente indiferença é explicada por uma combinação entre a desvalorização do problema do ponto de vista económico e a cautela política dos que procuram não ser acusados de caloteiros.

 

A Europa continua por isso a empurrar para a frente o problema, e a apostar que o crescimento da Europa (que se mantém em estado anémico e próxima de deflação) resolverá o excesso de endividamento acumulado. Pode ser que sim. Mas se a escolha europeia for essa, então que se assuma que a experiência mostra que se trata de uma estratégia política e económica de alto risco, e que nela se privilegia uma concepção moral que oferece aos credores o privilégio de poderem incorrer em excessos com riscos mínimos.

 

Num momento em que o debate sobre a reestruturação da dívida pública regressou a Portugal, foram publicados dois textos interessantes sobre reestruturação e moralidade na dívida. Num deles, assinado por Carmen Reinhart (Harvard) e Christoph Trebesch (Universidade de Munique), dois dos maiores especialistas mundiais em reestruturações de dívida, é evidenciada uma dura realidade: por mais tempo que espere, o elefante tende a não desaparecer – e isso significa menos crescimento e emprego.

 

Reinhart e Trebesch analisaram dois conhecidos episódios de crises de dívida regionais: as dos países emergentes (1980 a 2000) e as das economias avançadas do pós-primeira guerra mundial (1920 a 1930). Eis as principais conclusões publicadas no Vox:

 

  • Muitas das economias avançadas na Europa beneficiaram de volumosas reduções de dívida que tinham para com os EUA e o Reino Unido. Os valores de reestruturação chegaram a 50% do PIB e comparam bem com as que aconteceram nas economias emergentes do final do século XX.

 

  • Tanto num episódio como no outro o processo político foi semelhante. Primeiro a negação do problema, depois os acordos de renegociação e as extensões de maturidades; e finalmente, como e o elefante é demasiado grande, impôs-se a reestruturação com reduções significativas de dívida.

 

  • Uma vez que uma “reestruturação decisiva” é implementada, as economias visadas melhoram rapidamente e o castigo em termos reputacionais e de custos com juros existem, mas são curtos no tempo. A maior dificuldade é a de definir à priori o que é uma “reestruturação decisiva”, ou seja, conseguir uma reestruturação que resolva de forma inequívoca o excesso de endividamento na economia (a dificultar as contas está o facto de as previsões para o crescimento e juros serem cruciais).

 

Perante estes dados os autores, escrevem:

 

Muito dos anos 1920 e 1930 foram décadas perdidas para os países europeus – semelhantes aos anos 1980 na América Latina e em África. Em ambas as eras houve um sem número de conferências e cimeiras internacionais sobre como resolver o problema da dívida. No final, anulações de dívida e incumprimentos foram atrasados, mas não evitados. Já passaram sete anos desde o início da crise de “subprime” no Verão de 2007. Talvez episódios passados possam oferecer conhecimento sobre a actual situação, uma vez que o excesso de dívida de 2010 ainda espera resolução.

 

Esta resistência às reestruturações, recorrente na história, está intimamente ligada a concepções de moralidade que consideram que as dívidas são para honrar, custe o que custar. E é aqui que chegamos ao texto de Robert Skidelsky, publicado no Project Syndicate, sobre a economia moral da dívida. A principal mensagem é a de que uma concepção rígida de moralidade foi má conselheira ao longo da história:

 

A verdade é que, como David Graeber assinala no seu imponente “Debt: the First 5.000 years”, a relação entre credor e devedor não incorpora qualquer lei de ferro de moralidade; é, sim, uma relação social que tem sempre de ser negociada. Quando a precisão quantitativa e uma abordagem inflexível às obrigações de dívida são a regra, a penúria e o conflito chegam rapidamente.

Rui Peres Jorge