Recessão trama défice

25/09/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

O buraco com IVA, IRC e Segurança Social continua a aumentar. Os últimos dados da Direcção-geral do Orçamento reflectem bem as dificuldades orçamentais que Portugal enfrenta. Filipe Garcia, da IMF, avisa para o aumento do peso da dívida pública no PIB e defende que, para as empresas, as dificuldades de liquidez são um problema maior que a pressão negativa sobre a procura interna decorrente das medidas de austeridade. José Miguel Moreira do Montepio salienta que os resultados orçamentais só não foram piores porque um efeito de calendário favoreceu a receita de IRS. A recessão acabou por prejudicar a consolidação orçamental. Paula Carvalho, do BPI, frisa que, mais uma vez, Portugal só conseguirá atingir os objectivos orçamentais através através de receitas extraordinárias, mas evidencia também alguns aspectos positivos: o pagamento de dívidas atrasadas e maior transparência.          

    

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.  

 

Paula Carvalho – Departamento de Estudos do BPI 

 

1. Numa primeira análise, a execução orçamental referente aos primeiros 8 meses do ano não deverá alterar o diagnóstico conjunto relativamente ao processo de consolidação orçamental de 2012. Ou seja, não obstante o deslize dos limites para o défice público (de 4,5% para 5% do PIB este ano), deverão ser necessárias medidas adicionais para cumprir os critérios acordados com a Troika. Alguns pontos a destacar nos dados da Execução:

 

a. O saldo consolidado da Administração Central e Segurança Social, de acordo com os critérios fixados no PAEF, ou seja, expurgando as despesas e receitas não consideradas para efeitos do objectivo acordado (os maiores ajustamentos dizem respeito à não consideração da transferência parcial dos fundos de pensões da banca e do pagamento de dívidas em atraso dos hospitais), situava-se em Agosto, em -5 493 milhões de euros. Ora o limite acordado com a Troika para o terceiro trimestre e que será aferido em final de Setembro, é de 5.9 mil milhões de euros, o que significa que a margem para cumprimento é estreita. Refira-se, todavia, que a execução do orçamento relativa ao mês de Setembro tem sido nos últimos anos, genericamente favorável; em 2011 verificou-se mesmo um estreitamento do défice em sede de contabilidade pública. Ou seja, a margem é estreita mas deverá ser suficiente.

 

b. Mais preocupante é o andamento das rubricas onde se têm verificado maiores desvios face ao orçamentado e que estão na base do desvio anual estimado negativo. Em concreto, o ritmo de queda dos impostos indirectos e das contribuições de Segurança Social acelerou (era -4.5% e -5.6% até Julho; passou a -5% e -6% até Agosto); o encargo com os juros da dívida pública aumentou significativamente (+18% face ao período homólogo); o ritmo de expansão dos encargos com pensões (excluindo as pensões dos bancários que passaram para a Segurança Social) aumentou de +0.6% até Julho para +1% no período Janeiro a Agosto; os encargos com prestações de subsídio de desemprego continuam a crescer acima de 20% face ao período homólogo.

 

2. Ou seja, resumidamente, as tendências desfavoráveis anteriormente identificadas agravaram-se com os dados relativos a Agosto. Pelo que as estimativas de desvio relativamente ao objectivo serão possivelmente agravadas. Sem medidas adicionais, o saldo orçamental deverá situar-se em torno de 6% do PIB. Essas medidas estão previstas, e deverão consubstanciar-se em novas concessões a entidades privadas (nomeadamente da empresa gestora de aeroportos ANA) permitindo registar o encaixe no saldo orçamental; resultarão também do aumento da tributação sobre rendimento de capitais e imóveis de elevado valor, ambos já aprovados em sede de Conselho de Ministros.

 

3. Por outro lado, os sinais de consolidação estrutural reflectem sobretudo as poupanças obtidas com a suspensão do pagamento de um mês de vencimento aos funcionários públicos e pensionistas… medidas consideradas inconstitucionais.

 

4. Em resumo, é previsível que Portugal cumpra os critérios previstos no PAEF. No entanto, preocupa o facto de este cumprimento ser sucessivamente alcançado graças ao recurso a medidas extraordinárias, cujo efeito tem de ser compensado no ano seguinte. É também preocupante a escassez de sinais concretos de ajustamento estrutural, ou seja, que perdure no tempo mesmo sem a pressão dos credores externos.

 

5. No entanto, não se podem esquecer os progressos já alcançados; destacando-se a inversão da tendência de agravamento sucessivo do peso da despesa pública no PIB – atingiu o máximo de 51.3% em 2010; este ano deverá descer para 47.4% (48.9% em 2011); a maior transparência e abrangência das contas que são reportadas mensalmente, incluindo por exemplo, as designadas EPR’s, Empresas Públicas Reclassificadas, entidades do sector público que necessitam de apoio do orçamento para a sua solvabilidade (só este efeito contribuiu em mais de 500 milhões de euros para o défice público acumulado até Agosto); ou o reconhecimento de dívidas comerciais não pagas pelo sector público em devido tempo e o seu cumprimento efectivo. São alguns exemplos de um processo de “limpeza” que permitirá, mais tarde, retirar o enfoque da consolidação orçamental e dar espaço à política orçamental para actuação contra-cíclica; ou seja, estimular a economia quando existe recessão ou arrefecimento económico.

 

José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. O saldo conjunto da execução orçamental da Administração Central e da Segurança Social, na óptica da contabilidade pública, foi de -4 017.4 milhões de euros (M€) nos oito primeiros meses de 2012, segundo os dados divulgados pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO), mais 726 M€ do que o valor registado até Julho.

 

2. O indicador relevante para o programa de ajustamento económico e financeiro (PAEF) situou-se em -5 493 milhões de euros, no final do mês de Agosto, melhorando ligeiramente face aos -5 622 M€ observados até Julho, mas com este resultado a ser explicado, essencialmente, por uma diminuição do ritmo de queda da receita fiscal, que é contudo explicada pela antecipação do prazo de pagamento da cobrança de IRS relativo a 2011.

 

3. Assumindo que em Setembro o défice se agrava ao ritmo médio mensal previsto no PAEF e que do 3ºT2012 para o 4ºT2012 se verifica o agravamento previsto no PAEF, então o défice anual seria de -7 693 M€, superior em 93 M€ ao objectivo do PAEF, correspondendo a cerca de 4.6% do PIB (-4.5% previstos no PAEF), representando assim uma melhoria face ao cenário traçado no mês anterior (5.0% do PIB).

 

4. Por outro lado, se admitirmos que para Agosto o défice deveria ter atingido 4 900 milhões de euros, temos um desvio de cerca de 2% entre o realizado e o projectado (que compara com o desvio estimado no mês anterior de quase 15%), um desvio que aplicado ao objectivo anual corresponderia a um défice de cerca de 4.6% do PIB (5.2%, no mês anterior). Valor que poderá ainda subir em virtude da inclusão de outras entidades públicas que não fazem parte do perímetro de consolidação dos dados da DGO, bem como de uma execução orçamental no mês de Setembro e no 4ºT2012 pior do que a admitida.

 

5. Note-se que só com o desvio observado no 1ºT2012 entre os dados do défice orçamental, na óptica da contabilidade nacional, e o objectivo para os dados da DGO, num total de cerca de 0.8% do PIB, estes números já iriam apontar para um défice em torno dos 5.5% do PIB, existindo o risco de estes desvios voltarem a repetir-se (nem que só parcialmente) nos restantes trimestres, tornando impossível de alcançar os 4.5% inicialmente estipulados no PAEF.

 

6. Com efeito, parece ser essa a expectativa da troika, que, no âmbito da apresentação dos resultados da 5ª avaliação ao PAEF, veio confirmar a derrapagem orçamental que os dados mensais da execução orçamental da DGO já anteriormente sugeriam, embora não deixando de reconhecer os progressos efectuados pelo país. Uma derrapagem que tem sido essencialmente provocada pela fraca receita fiscal, resultante de Portugal enfrentar uma recessão que, fruto das fortes medidas de austeridade anteriormente adoptadas, assumiu um perfil distinto do que a troika e o Governo previam aquando da elaboração do memorando em 2011, com as exportações a evidenciarem um comportamento acima do esperado, mas com a recessão a revelar-se mais profunda ao nível do consumo privado, o que teve necessariamente como contrapartida uma menor arrecadação fiscal ao nível dos impostos sobre o consumo.

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros

 

1. Os dados da execução orçamental não surpreendem, em função da actividade económica. Dado que a trajectória global da economia portuguesa continua a ser negativa, reflectindo as condições que já vinham de trimestres anteriores, nomeadamente as dificuldades de financiamento e processo de desalavancagem, queda da confiança, desaceleração da Zona Euro e medidas de austeridade que afectam empresas e famílias, era esperado que se registassem dificuldades ao nível da receita.

 

2. Esperamos que essas dificuldades se mantenham nos próximos tempos em todos os impostos que se relacionem de forma cíclica com a actividade económica.

 

3. Do lado da despesa, a redução mais significativa acontece formalmente pela via da redução ou corte de salários. Ora esses cortes não são mais do que uma forma de imposto e não redução da despesa efectiva, como ficará provavelmente demonstrado no OE 2013, quando essa redução de despesa se “transformará” em aumento da receita em sede de IRS.

 

4. Percebe-se a urgência em diminuir o défice dado que o rácio Dívida/PIB continua a subir – prevê-se que em 2013 ultrapasse os 120% e já está a um nível difícil de gerir, que constitui em si mesmo um problema para o défice, que convém não alimentar. A situação preocupa porque as metas orçamentais, deste ano e próximos, exigirão provavelmente novas medidas extraordinárias, mas sem que a economia cresça será muito difícil chegar a uma trajectória de consolidação orçamental.

 

5. Passamos já a fase em que as dificuldades sérias apenas atingiam as empresas mais débeis, para um cenário em que mesmo empresas com modelos de negócio consolidados e operacionalmente eficientes passam por dificuldades de liquidez. Vive-se um contexto de excepcional dificuldade de liquidez à qual é importante dar atenção política, sob pena de danificar de forma permanente o aparelho produtivo nacional e, por essa via, a criação de emprego e de riqueza.

 

6. Aparentemente, nesta fase, são maiores os danos que a estas dificuldades de liquidez causam do que as medidas de austeridade (que provocam contracção da procura interna).

 

 

 

Rui Peres Jorge