A economia portuguesa voltou a trazer notícias positivas, com um crescimento homólogo de 1,9% no último trimestre do ano, que coloca a média anual em 1,4%, melhor do que a Comissão Europeia e o Governo esperavam. O Montepio nota que este resultado terá consequências positivas em 2017, enquanto o BPI refere que podemos estar perante dois caminhos: um de “tudo na mesma” e outro de maior dinamismo. Já o NECEP avisa que o dinamismo provocado pelas medidas do Governo se esgotará ao longo do ano.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Cerdeira, BPI
A evolução da actividade económica registou uma continuação de evolução favorável, acelerando mesmo para o ritmo de crescimento homólogo mais alto desde o último trimestre de 2013, segundo a estimativa preliminar do INE. É de realçar, em particular, a componente do investimento, que retorna a uma trajectória positiva em termos homólogos, cenário que não era de todo garantido. Além disso, é também uma notícia particularmente positiva no sentido em que confirma o caminho de recuperação económica e permite um crescimento de 1.4% durante todo o ano de 2016, configurando uma desaceleração ligeira em relação a 2015, quando na primeira metade do ano a economia registou uma divergência significativa com o período imediatamente anterior.
Sabemos também pela informação qualitativa que o consumo privado acelerou em relação ao ritmo de 1.9% yoy registado no trimestre anterior. Assim, fica por saber quanto da aceleração de ritmo se deve a um maior consumo, e quanto se deve ao investimento, já que daí podem advir conclusões relativamente diferentes.
Se, por um lado, assistirmos a um cenário de recuperação ténue do investimento e ainda muito ligada ao sector da construção, implicando então que a maior alavanca foi a do consumo (provavelmente de bens duradouros), então estes dados, sendo positivos, não apontam para uma mudança de tendência actual de crescimento moderado.
Se, de maneira distinta, o consumo tiver apenas acelerado ligeiramente, e o fundamental da aceleração tiver sido guiada por uma mudança de tom no investimento, que se propague durante 2017, poderá este então ser o início de uma dinâmica significativamente mais favorável para a economia portuguesa.
Finalmente, tão ou mais importante são as conclusões que daqui podem surgir: as importações estão a crescer a um ritmo mais elevado que as exportações; ainda assim, se o grosso do aumento das importações foi devido a maior investimento, este passa a ser um factor menos preocupante.
Rui Bernardes Serra, Montepio
A estimativa preliminar do INE para o PIB de Portugal no 4.º trimestre apontou para um crescimento, em cadeia, de 0.6%, superando as nossas expectativas (Montepio: +0.3%) e as do mercado (consenso:+0.3%), depois de, no 3.º trimestre, já ter expandido 0.8%, que é o maior ritmo de crescimento desde o 4.º trimestre de 2013 (+1.0%), após um 1.º semestre de fracos crescimentos (+0.3% no 2.º trimestre e +0.2% no 1.º trimestre). Admite-se que as nossas perspetivas possam ter estado contaminadas pelos dados do lado da oferta, que sugeriam um crescimento inferior para o VAB (teoricamente o VAB e o PIB são a mesma realidade, mas, na prática, há discrepâncias entre as duas medidas, como sucedeu no 3.º trimestre, quando o PIB subiu 0.8% e o VAB avançou 0.4%).
Na ótica da procura, o INE refere que o crescimento, em cadeia, se deveu apenas ao contributo da procura interna, que passou de negativo no 3.º trimestre para positivo, traduzindo, principalmente, a evolução do investimento. Em sentido contrário, a procura externa líquida passou a registar um contributo negativo, observando-se um forte aumento das importações totais. Assim, estimamos um crescimento do consumo privado (+0.5%) e uma subida doinvestimento, quer devido à variação de existências [que tinha tido um forte contributo negativo de 0.5 p.p. para o crescimento do PIB do 3.º trimestre e que se admite que tenha tido um contributo superior ao que estávamos a estimar, nomeadamente fruto de importações não consumidas ou utilizadas na FBCF], já que o investimento em capital fixo (FBCF) terá subido cerca de 1.5% [-0.4% no 3.º trimestre]). O consumo público terá recuperado parte da queda do 3.º trimestre (-0.6%).
Em termos de setores, estimam-se crescimentos da indústria (ainda que em forte abrandamento) e dos serviços (em ligeira aceleração), enquanto a construção terá estabilizado.
Nos últimos 16 trimestres, o PIB subiu 14 vezes e caiu duas (3.º trimestre de 2013: -0.1% e 1.º trimestre de 2014: -0.5%), tendo-se observado, nestes 16 trimestres, um crescimento acumulado de 5.6%. A economia teve neste trimestre uma performance superior à da Zona Euro (+0.4%), dos EUA (+0.5%) e do Japão (+0.2%) e igual à do Reino Unido (+0.6%). Com este crescimento, em cadeia, de 0.6% no 4.º trimestre, o PIB manteve a trajetória de crescimento iniciada no 1.º trimestre de 2013, quando colocou termo a um período recessivo que durou nove trimestres, tendo o PIB no 1.º trimestre de 2013 se situado no nível mais baixo desde o 2.º trimestre de 2000 e, neste 4.º trimestre, atingido novos níveis máximos desde o 3.º trimestre de 2011. Note-se que o PIB português é particularmente volátil, sendo de salientar que a média móvel de quatro trimestres revelou uma subida de 1.4%, superior à do 3.º trimestre (+1.2%), representando a 12.ª consecutiva após 10 contrações.
Em termos homólogos, o PIB subiu 1.9% no 4.º trimestre, em aceleração (+1.6% no trimestre anterior). O INE referiu que esta aceleração do PIB resultou do aumento do contributo da procura interna, observando-se uma recuperação doinvestimento e um crescimento mais intenso do consumo privado. O contributo da procura externa líquida foi negativo, contrariamente ao observado no trimestre anterior, refletindo a aceleração mais acentuada das importações de bens e serviços em volume que a das exportações de bens e serviços.
Em 2015 o PIB cresceu 1.6%, em aceleração face ao crescimento de 0.9% observado em 2014. A atividade económica em 2015 foi apenas suportada pela procura interna, refletindo, essencialmente, os crescimentos do consumo privado (+2.6%, depois de já ter crescido +2.3% em 2014 e regressado aos crescimentos após três anos em contração) e do investimento em capital fixo (FBCF) (+4.5%, após +2.3% em 2014 e deixado para trás um ciclo de quedas que se arrastava desde 2009), com o consumo público, por sua vez, a apresentar também um crescimento (+0.8%, representando o primeiro acréscimo desde os 2.6% de 2009). O contributo da procura interna para a variação anual do PIB aumentou, situando-se em 2.6 p.p. em 2015 (+2.3 p.p. em 2014), devido ao crescimento mais intenso das despesas de consumo final, uma vez que o investimento desacelerou. Já as exportações líquidas apresentaram um novo contributo negativo para o crescimento do PIB em 2015 (-1.0 p.p., depois dos -1.4 p.p. de 2014), traduzindo um crescimento das importações (+8.2%) superior ao das exportações (+6.1%). Refira-se ainda que se verificou um significativo ganho de termos de troca, com o deflator das importações a registar uma redução pronunciada, em resultado da diminuição dos preços dos bens energéticos.
Refletindo o facto de os dados do PIB do 4.º trimestre terem ficado acima do esperado, mas também o facto de se dever ter observado uma revisão em alta dos crescimentos em cadeia nos três primeiros trimestres do ano (apesar de, a uma casa decimal, não ser visível nos dados preliminares reportados pelo INE, estas revisões são necessárias para obter o crescimento anual reportado pelo INE), o crescimento anual do PIB em 2016 cifrou-se em 1.4% (provavelmente na ordem de +1.35%), ficando acima das nossas expectativas, que eram de um crescimento de 1.2% (a duas casas decimais, de +1.24%). O INE refere que o contributo da procura interna para a variação do PIB diminuiu, refletindo a redução do investimento e, em menor grau, a desaceleração do consumo privado. A procura externa líquida apresentou um contributo significativamente menos negativo que em 2015, sendo que as nossas atuais estimativas apontam para que tenha sido sensivelmente nulo. Assim, estimamos que o consumo privado tenha crescido 2.1% e o consumo público 0.7% e que a FBCF tenha contraído 1.5%, depois de ter crescido uns robustos 4.5% em 2015, enquanto asexportações líquidas deverão apresentar um contributo nulo (revisto do anterior ligeiro contributo positivo) e a variação de existências um contributo também nulo (revisto do anterior ligeiro contributo negativo). Note-se que, não obstante as exportações líquidas em 2016 não deverem ter contribuído para o crescimento, a recuperação económica tem continuado a ser sustentada pelas exportações, que terminaram o ano passado 36.3% acima dos níveis pré-programa de ajustamento (2010).
Para 2017, fruto do carry-over (se a economia estabilizasse nos quatro trimestres de 2017 no nível do 4.º trimestre de 2016, apresentaria um crescimento médio anual de 1.0% em 2017), revimos em alta a nossa previsão de crescimento do PIB, de 1.5% para 1.7%, materializando-se na previsão também os riscos ascendentes já anteriormente identificados. A nossa previsão de crescimento para 2017 (+1.7%) está acima da antecipada pelo Governo (+1.5%) no OE 2017 (14 de outubro), dos 1.6% previstos pela CE (13 de fevereiro), dos 1.4% antecipados pelo BdP (14 de dezembro), dos 1.3% previstos pelo FMI (8 de dezembro) e dos 1.2% previstos pela OCDE (28 de novembro). Antecipa-se uma subida do investimento (FBCF) de 3.5% em 2017 (revista de +3.2%), ao contrário do que estimamos para 2016 (-1.7%), suportada pelos financiamentos por parte de fundos comunitários (v.g. Plano Junker), alguma recuperação da construção e continuação da recuperação do investimento empresarial em equipamentos). Espera-se um abrandamento do consumo privado (+2.1% em 2016 e +1.6% em 2017), condicionado pela subida dos preços da energia e pelo abrandamento do consumo de bens duradouros (o ritmo de 2015/16 é insustentável e só compreensível porque tinha sido bastante fustigado durante a dupla recessão de Portugal). As exportações líquidas deverão ter um contributo ligeiramente positivo (+0.1 p.p.) para o crescimento. A economia angolana deverá crescer mais do que em 2016 e não se verificar um efeito tão negativo nas exportações de bens. As exportações de serviços, nomeadamente de turismo, deverão continuar a crescer a bom ritmo, à medida que diversos destinos portugueses consolidam o seu prestígio nos mercados internacionais.
Os riscos ascendentes prendem-se com: i) o baixo preço do petróleo (em 2016 observou-se o valor médio anual mais baixo em mais de uma década); ii) o euro fraco (em 2016 e 2017 deverá ficar abaixo da média de 2015 e historicamente baixo); iii) a política monetária expansionista do BCE; iv) a possibilidade de a economia espanhola poder continuar a crescer acima do estimado: Espanha representou, em 2016, cerca de um pouco mais de um quarto do total das exportações de bens portugueses (26.2% vs 25.0% em 2015), seguindo-se França (12.6%), Alemanha (11.6%) e Reino Unido (7.0%). Por sua vez, os riscos descendentes internos vêm: i) da possibilidade de regresso da instabilidade política (devido à heterogeneidade da atual maioria); ii) difícil situação do mercado de trabalho; iii) da debilidade do sistema financeiro; iv) dos objetivos de consolidação adicionais das finanças públicasexigidos por Bruxelas; v) da pressão sobre as yields da dívida portuguesa (o spread de Portugal fechou 2016 acima do valor de final de 2015), resultante dos receios dos mercados relativamente à estratégia orçamental do Governo. Osriscos descendentes externos são provenientes: i) da vitória do “Brexit” no referendo no Reino Unido (apesar de já se ter tentado incorporar nas nossas previsões este eventos, a singularidade associada continua a trazer riscos para a previsão [Portugal é particularmente vulnerável ao Reino Unido pela via do setor do turismo, dado a elevada contribuição dos turistas britânicos para a balança turística]); ii) incertezas, relativamente à política económica americana,levantadas pela vitória de Donald Trump; iii) incerteza geopolítica no Médio Oriente, no Leste da Europa, em relação à Grécia e devido aos abrandamentos de diversos mercados emergentes, como a China, Brasil e Angola (em 2016, as exportações portuguesas para este país caíram cerca de 0.6 mM€, depois de já terem caído um pouco mais de 1.0 mM€ em 2015, com o respetivo peso no total das exportações portuguesas a passar de 6.6% em 2014, para 4.2% em 2015 e 3.0% em 2016).
O crescimento das exportações ao longo do período recessivo que a economia portuguesa atravessou foi notável e é algo que terá vindo para ficar. No entanto, o crescimento médio observado no período 2011/13 terá sido superior ao que será observado no período 2014/16, já que a recessão na economia portuguesa levou muitas empresas a procurarem refúgio nas exportações (e/ou na transferência de parte substancial da sua atividade para o estrangeiro, nomeadamente as empresas do setor da construção civil), conduzindo a um ganho de quota de mercado nos mercados internacionais. Este efeito será menos importante nos próximos anos (num contexto de recuperação da dinâmica interna da economia), mas poderá ser parcialmente compensado pela aceleração do crescimento económico mundial. As exportações continuarão a ser um grande motor de crescimento, mas não necessariamente as exportações líquidas de importações, já que a recuperação da procura interna será acompanhada por um aumento das importações. A grande diferença face ao período pré crise é que, desta feita, o aumento das importações não deverá ser realizado à custa do endividamento externo, mas financiado com as exportações, esperando-se que a balança corrente seja de novo ligeiramente excedentária neste ano. Em 2015, as exportações de bens e serviços cresceram 6.1%, mais do que os 4.3% registados no ano anterior, mas ainda bem menos do que o observado em 2013 (+7.0%), e as importações avançaram 8.2% (um pouco acima dos +7.8% de 2014 e bem mais do que os 4.7% de 2013), dando origem a um contributo negativo das exportações líquidas de -1.0 p.p., o 2.º contributo negativo consecutivo (-1.4 p.p. em 2014) e após um contributo positivo em 2013 (+0.8 p.p.) e representando o 2.º contributo negativo desde 2010 (-0.2 p.p.). Em 2016, estima-se um crescimento de 4.0% das exportações e de 3.8% das importações, sendo o contributo das exportações líquidas sensivelmente nulo.
O indicador de sentimento económico apresentou um nível médio, em 2016, compatível com um crescimento anual do PIB de 3.1%, estando em 2017 (apenas com o registo de janeiro) num nível compatível com um acréscimo de 3.9%. Condicional à dívida pública/PIB, essa estimativa cai para +1.6% em 2016 e +2.4% em 2017. O indicador de confiança dos consumidores apresentou um nível médio, em 2016, compatível com um crescimento do PIB de 3.7%, estando, em 2017, a sugerir uma expansão de 4.5% (condicional à dívida pública/PIB, essa estimativa cai para +2.1% e +2.9%). O indicador de confiança dos consumidores e o indicador de sentimento económico apresentam um nível médio, em 2016, compatível com um crescimento do PIB de 3.4%, e de 4.2% em 2017 (condicional à dívida pública/PIB, essa estimativa cai para +1.9% e +2.7%).
Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica
O PIB cresceu 0.6% no 4º trimestre de 2016 uma variação idêntica à estimativa do NECEP de 18 de janeiro, e com leitura positiva face à dinâmica da economia, confirmando-se uma trajetória do produto mais favorável face à que se vinha observando até meados do ano passado. O crescimento homólogo (1.9%) é o maior desde 2010 e da aplicação do Programa de Ajustamento a partir de 2011, sendo idêntico ao observado no 4º trimestre de 2013. No cômputo de 2016, o produto terá crescido 1.4%, ligeiramente abaixo do registo de 2015 (1.6%), pelo que a economia portuguesa apresentou um crescimento modesto, mas relativamente estável nos últimos dois anos.
De acordo com o INE, o crescimento ligeiramente mais forte do PIB em termos homólogos (1.6% no 3º trimestre) resultou de um contributo mais intenso da procura interna, em particular do consumo privado e do investimento que, assim, terá recuperado no último trimestre do ano. A melhoria da dinâmica do investimento é consistente com o forte aumento das importações. Ainda assim, o investimento (FBCF) deverá ter contraído em 2016.
Os dados do Eurostat para o crescimento do PIB da zona euro no 4º trimestre de 2016 configuram uma situação estável face ao 3º trimestre, com a manutenção de um crescimento em cadeia de 0.4% e um crescimento homólogo praticamente equivalente (1.7% em vez de 1.8%). O crescimento trimestral manteve-se elevado em Espanha (0.7%) e acelerou, quer na Alemanha (de 0.1% para 0.4%), quer em França (de 0.2% para 0.4%). Pelo contrário, observaram-se algumas variações negativas do PIB em cadeia (Grécia e Finlândia) e um crescimento modesto em Itália (0.2%).
Estes dados confirmam a melhoria da conjuntura em Portugal face à situação de quase estagnação que se observou na transição entre 2015 e 2016. Os dados divulgados hoje pelo INE são consistentes com as perspectivas do NECEP para 2017 (o ponto central da projeção para o crescimento do PIB é de 1.7%) já que os efeitos pontuais de curto prazo da política orçamental de 2016 se deverão dissipar ao longo deste ano.
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