Quem disse que a economia não era flexível?

04/10/2011
Colocado por: Pedro Romano

Durante os últimos anos gerou-se um debate acerca de qual défice deveria ser a prioridade política do Governo: o défice orçamental, que foi reduzido pouco a pouco mas que se manteve persistentemente acima do valor estabelecido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC); ou o défice externo, que atingiu valores estratosféricos – chegar aos 10% tornou-se comum – mas que foi recorrentemente desvalorizado pelos partidários da “doutrina Constâncio”, segundo a qual os saldos externos não têm importância no contexto de uma União Monetária.

 

Segundo as Contas Nacionais Trimestrais publicadas esta semana pelo INE, os problemas actuais podem, contudo, ser apenas duas faces da mesma moeda. Quando se olha para os saldos globais (Poupança menos Investimento) do sector público e do sector privado (ideia retirada do blogue de João Cerejeira), percebe-se que aquilo que neste momento explica o “défice externo” é simplesmente o défice público.

 

 

O gráfico, ajusta a sazonalidade dos valores através de médias móveis, revela também que o “ajustamento” começou a fazer-se no final de 2008, no momento preciso em que a recessão chegou à economia portuguesa. Ao mesmo tempo, os saldos das Administrações Públicas evoluíam em sentido contrário e degradavam-se cada vez mais. Nos últimos trimestres, a capacidade de financiamento do sector privado parece ter estabilizado em torno dos 2% do PIB, ao passo que o défice público tem também melhorado, se bem que de forma menos acentuada. É ainda possível filtrar um pouco mais os dados:

 

 

 

Inferir daqui que sem Estado não haveria défice externo é porventura um exagero, na medida em que os gráficos devem traduzir alguma endogeneidade do saldo público. O défice varia pelo menos em parte em função do ciclo económico e os saldos dos restantes subsectores variam em função deste último. Uma contracção económica diminui os lucros das empresas, que passam a pagar menos impostos, e faz disparar as despesas sociais. A degradação do saldo público e uma melhoria relativa dos restantes saldos é portanto uma das consequências (quase) necessárias do efeito dos “estabilizadores automáticos”.

 

Mas a velocidade de ajustamento da economia portuguesa à nova situação externa não deixa de ser impressionante. A inversão da taxa de poupança das famílias é imediata logo no final de 2008 e apenas três trimestres depois já estabilizou num nível substancialmente mais elevado. Nas empresas não financeiras, a correcção também é extremamente rápida (apesar de ser feita com recurso a um corte sem precedentes no investimento, e com isto voltamos ao problema da endogeneidade); e a própria banca melhorou o seu balanço, ainda que a um ritmo mais suave. Quem disse que a economia portuguesa não era flexível?

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