O Negócios questionou por e-mail cinco especialistas em economia financeira e política monetária sobre o papel do BCE e de Mario Draghi nos últimos meses, com especial enfoque nos dois empréstimos a três anos com que o banco central cedeu um bilião de euros aos bancos europeus e na flexibilização das regras de colateral para sete países, incluindo Portugal.
As respostas chegaram por telefone (Charles Wyplosz e Jacob Kirkegaard) e por e-mail (Daniel Gros, Frank Westermann e Ricardo Reis) e foram contributos valiosos para os dois trabalhos que o Negócios publicou ontem e hoje sobre o tema na sua edição em papel. Agora publicamos, em vários “posts” no massa monetária, as respostas completas dos cinco economistas a questões centrais para reflectir sobre o BCE e o futuro do euro.
Quais são os principais riscos das acções do BCE? Inflação em algum ponto? Fragmentação da política monetária na Zona Euro? Poderão surgir tensões no mercado dentro de três anos, quando os empréstimos tiverem de ser pagos?
[Jacob Kirkegaard] Discordo dessa ideia da fragmentação defendida por exemplo por Willem Buiter. As LTRO e o alargamento dos colaterais precisavam de ser implementadas exactamente para não haver uma fragmentação da política monetária no euro. Há limites aos colaterais que os bancos conseguiriam entregar e esses limites estavam a ser atingidos. Sem estas operações o sistema de transmissão da política monetária estava partido: o BCE não conseguia chegar a toda a Zona Euro.
Também não creio que exista risco de grande inflação. As pressões chegarão mais pela via dos preços do petróleo, mas isso tem mais a ver com Irão do que com qualquer coisa dentro da Zona Euro.
Penso que o principal risco é que isto se torne num comprimido para dormir, no sentido que alivia a pressão sobre os bancos para se recapitalizarem e reformarem. Se assim for daqui a três anos os bancos não tiverem recuperado capacidade de financiamento privado para amortizarem os empréstimos, então aí restarão duas hipóteses ao BCE: ou empresta novamente, ou deixa muitos bancos irem à falência. É crucial que os bancos recuperem o acesso ao financiamento privado.
[Charles Wyplosz] O principal risco aqui é o facto de, ao contrário do que acontece com o programa de compra de obrigações soberanas por parte do BCE – usado até agora com muita parcimónia – este tipo de actuação, emprestando aos bancos para eles comprarem as obrigações, acaba por colocar os riscos no balanço dos bancos. Ora se acreditarmos, como eu, que terão de existir “defaults” em vários países, o que temos são boas notícias de agora que apenas antecipam as más noticias quando os bancos tiverem de assumir as perdas. A principal máxima nas Finanças é a de que mais retorno significa mais risco: os bancos não beneficiam dos lucros que fazem com o “carry trade” sem um risco grande.
[Daniel Gros] Não há qualquer risco de inflação, pois os bancos do Norte vão depositar toda a sua liquidez no BCE, uma vez que as famílias do Norte não consomem o suficiente.
[Ricardo Reis] O maior risco é que ocorra um “default” de um soberano, ditando a falência dos bancos que detêm a sua dívida, o que significa que o BCE perderia o seu empréstimo. Se estivermos a falar da Grécia ou de Portugal apenas, as quantidades não são suficientemente grandes para fazerem grande diferença. Mas se estivermos a falar de Espanha ou Itália então, ou o BCE precisará de um grande resgate orçamental pelos Tesouros nacionais da Europa, ou a inflação será a única saída.
Um risco mais premente decorre do BCE estar a contribuir para perpetuar a espiral diabólica que os meus colegas e eu no “euro-nomics.com” descrevemos: os bancos nacionais ficam com muita dívida soberana do seu país, isso leva a receios de que a insolvência conjunta dos bancos e dos soberanos se torne interligada, e quase auto-geradora.
[Frank Westermann] Se esta opção de política [empréstimos sem limite, a três anos, e com taxa de juro baixa] se tornar persistente – e é já segunda vez – então tornar-se-á um problema, mais tarde ou mais cedo. No longo prazo, conduzirá quase de certeza a inflação. Há também o risco de que uma mudança nas expectativas sobre o futuro da política monetária possa levar a uma perda súbita de confiança na Zona Euro como um todo.
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