Prémio salarial na função pública – mais baixo do que se pensava?

20/01/2012
Colocado por: Pedro Romano

O Banco de Portugal revisitou o polémico tema do diferencial de salários entre sector público e sector privado. Apesar de o assunto ter passado mais ou menos despercebido aos radares da comunicação social, é interessante analisar com atenção o estudo publicado no Boletim Económico de Inverno. As conclusões diferem substancialmente das que foram avançadas num estudo semelhante, de 2009 – o artigo em que o Governo se baseou para defender o corte de subsídios de Férias e de Natal na Função Pública.

 

Comecemos pelas conclusões do primeiro estudo – Wages and Incentives in the Public Sector. Neste artigo, os economistas do BdP compararam salários do sector privado com salários do sector público, mantendo constantes factores como o grau de escolaridade e os anos de experiência profissional. Os dados foram retirados dos “Quadros de Pessoal”, da Segurança Social, e do “Recensamento Geral da Administração Pública”. Os resultados aparecem sumarizados no quadro de baixo. Por questões de espaço e conveniência, omitimos os números para 1996.

 

O estudo confirma que há uma grande diferença (“Raw gap”) entre salários do sector público e do sector privado. Mas mostra também que uma larga fatia deste diferencial pode ser explicado por variáveis como a experiência e a formação (“Differential in characteristics”). Quando se mantém estas características constantes, chega-se a um “prémio puro” (“wage premium”) de 14,5% em 1999 e de 16,9% em 2005. Os prémios tornam-se ainda maiores quando é calculado em função do tempo de trabalho (penúltima coluna – “overall – hourly wage”).

 

O novo estudo – Diferenças salariais entre os setores público e privado no período que antecedeu a adoção do euro – introduz duas alterações em relação ao primeiro artigo. A primeira é a base de dados da qual são extraídos os salários e características da população em análise, que passa a ser o PAFCE, um inquérito da responsabilidade do Eurostat. Isto permite uma comparação transversal a vários países.  

 

Apesar de a fonte de dados ser diferente, as conclusões, para Portugal, são semelhantes às do anterior estudo, com um prémio salarial significativo no sector público. Note-se que estes prémios são relativos ao salário/hora, pelo que devem ser comparados com a penúltima linha do quadro anterior. Note-se também que só há um período – 1999 – para o qual os dois estudos apresentam dados. E, aqui, ambos os estudos chegam a um prémio relativamente alto – 17,8 e 22,4%. Curiosamente, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha são os países em que há um diferencial maior.

 

Uma das críticas habituais a este tipo de estudos é que não levam em conta uma possível indogeneidade na escolha do sector. Ou seja, assumem que as características que são levadas em conta na regressão – nível de educação, anos de experiência, etc. – são as únicas que afectam a produtividade, pelo que quaisquer diferenças salariais entre pessoas com as mesmas características poderão ser “lidas” como “prémios puros”. Ora, se a “selecção” do sector de trabalho (público vs. privado) não for independente da produtividade relativa de cada trabalhador, estes resultados podem ser enviesados. Por isso, os economistas do Banco de Portugal introduziram uma segunda nuance: um controlo para este tipo de efeitos “não observáveis”. Os resultados, sumarizados na tabela de baixo, são significativamente diferentes dos que foram apresentados na análise anterior. 

 

Conclusões: em 1999, o diferencial era de 4,4%, e não de 22,4% – uma diferença significativa, mesmo tendo em conta as deficiência implícitas em qualquer método que estime “características não observadas”. O próprio estudo reconhece que “A diferença entre as estimativas obtidas usando o método de efeitos fixos [controlo da endogeneidade] e os mínimos quadrados sugere que os últimos podem sofrer de um enviesamento resultante da omissão de fatores relevantes que contribuam para a determinação dos salários observados”. E esta, hein?

 

 

 

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