Os erros dos homens da OCDE nos cortes na Saúde

03/02/2013
Colocado por: Marlene Carrico

 

Angel Gurria, o secretário geral da OCDE, em Davos Fonte: Scott Eells / Bloomberg

 

“Portugal cortou na saúde o dobro do que acordou com a troika”. A mensagem tem sido difundida por vários órgãos de comunicação social nos últimos dias, que citam um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O Ministério da Saúde já veio desmentir, mas a ideia continua a circular. Afinal, de onde tirou a OCDE os 11% de redução da despesa com saúde em Portugal?

 

Os autores do “paper” publicado pela OCDE na semana passada dizem que Portugal anunciou em Setembro de 2011 uma redução de 11% no orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para 2012, “duas vezes mais do que os cortes acordados” com a troika. O Ministério da Saúde, em comunicado, explicou na sexta-feira que se trata de “um erro”, fruto de uma “confusão entre os universos HEPE (hospitais empresariais do Estado) e SNS”.

 

E foi precisamente o que aconteceu. Aquilo que o Ministério da Saúde anunciou, no penúltimo dia de Agosto de 2011, foi a redução que iria impor nos custos operacionais dos hospitais empresariais do Estado no ano de 2012. Ao invés do corte obrigatório de 5%, o Governo optou por cortar 11%. O dobro.

 

Em despacho, assinado pelo secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira, e pela secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, explicava-se que a decisão se ficava a dever aos desenvolvimentos, “nomeadamente no âmbito da avaliação regular do desempenho de Portugal, nos termos do memorando de entendimento, pela equipa do FMI, CE e BCE, os quais aconselham medidas mais exigentes no que toca a contenção de custos e estabilização do crescimento do ritmo de endividamento pelas EPE”.

 

Ao Negócios, fonte oficial do Ministério da Saúde explicou na altura que tal opção visava também “um modelo de distribuição do esforço mais equitativo no tempo”, uma vez que seria exigido – para cumprir o memorando – um esforço muito grande na última tranche (em 2013), “de cerca de 500 milhões”.

 

Houve mesmo cortes de 5,2% na despesa pública em 2011?

 

Desfeita a primeira “confusão”, surge outra. No mesmo artigo, os autores dizem que a despesa pública com saúde em Portugal caiu 5,2% em 2011, face a 2010, ano em que tinha subido 0,6%, melhor do que a média da OCDE que foi de crescimento nulo nesse ano.

 

“Ora, uma vez mais, incorre-se numa confusão conceptual, uma vez que o referido quadro refere-se à óptica de contas nacionais, nomeadamente à evolução da despesa corrente em saúde, que a Conta Satélite do INE aponta para -4,6% e não para -5,2%”, esclareceu fonte do Ministério da Saúde.

 

Assim, a despesa pública com saúde terá assim caído em 2011 (não levando em consideração as verbas extraordinárias recebidas para regularizar dívidas) 4,6% e não 5,2%, como escreveu a OCDE.

 

Na tabela apresentada, Portugal compara pior que qualquer um dos outros países. Mas, ainda assim, e mesmo que os dados estivessem correctos, não se poderia dizer que cortou mais ou menos que a média ou a maioria dos países da OCDE, uma vez que apenas são apresentados dados para 10 países da OCDE.

 

Ingredientes repetidos na receita dos cortes  

 

Neste artigo, os autores propõem-se ainda a perceber melhor o que fizeram os vários países em termos de despesa com saúde e chegaram à conclusão que a receita adoptada pelos países é geralmente a mesma na hora de cozinhar os cortes na saúde.

 

Em Portugal, os responsáveis da OCDE apontam a redução das deduções fiscais e dos benefícios no caso dos subsistemas públicos de saúde, a redução de pessoal fruto da concentração e racionalização dos hospitais e centros de saúde.

 

Os maiores cortes em termos gerais foram sentidos, escrevem os autores, nos cuidados hospitalares e em ambulatório, bem como no sector do medicamento. E também a aposta na prevenção e na saúde pública tem caído. No conjunto dos países a despesa pública nesta área caiu 2,1% entre 2008 e 2010. Portugal é uma das poucas excepções à regra. Já os cuidados continuados (assistência sobretudo a pessoas mais idosas que não conseguem cuidar-se sozinhas) têm continuado a exercer uma forte pressão nos orçamentos dos vários países.

 

Os autores do artigo, à semelhança do que a OCDE tem vindo a fazer nos últimos relatórios sobre o sector, alertam para o impacto mais negativo que os cortes na saúde podem vir a ter no futuro.

 

Por fim, é importante frisar que esta informação não consta de um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), mas sim de um artigo (“paper”) assinado por David Morgan e Roberto Astolfi, pelo que se deixa bem claro logo nas primeiras páginas que as “opiniões expressas e os argumentos utilizados são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente a posição da OCDE”. Resta saber em que medida influenciam a opinião da instituição. É que segundo o Governo, a OCDE juntar-se-á ao FMI e à Comissão Europeia no estudo da reforma do Estado em Portugal.

 

 

 

Marlene Carrico