O BCE ficou “especialmente surpreendido” com a falta de reformas em Portugal em 2016, pois na Primavera do ano passado Portugal prometeu implementar um ambicioso programa reformista para reduzir os desequilíbrios macroeconómicos do país, mas pouco fez, defende o banco central que, perante este desempenho, quer um ultimato: ou mais reformas ou sanções, avançámos no Negócios.
A notícia não caiu bem junto das autoridades nacionais, visto que Portugal apresentou um resultado orçamental positivo em 2016 e quer mesmo fechar em Maio o outro procedimento que tem aberto – o dos défices excessivos. A Presidência da Republica terá até considerado a posição do BCE como “inacreditável e inaceitável”, escreveu o Expresso, embora Marcelo Rebelo de Sousa tenho vindo mais tarde a dizer que desvaloriza o tema.
Mas afinal o que está em causa?
Para melhorar a coordenação de políticas na Europa, os Estados-membros da UE criaram em 2011 um mecanismo que analisa a saúde macroeconómica dos países, chamado Procedimentos dos Desequilíbrios Macroeconómicos (PDM), e que vai além da análise orçamental. No caso dos países da Zona Euro as regras prevêem sanções para os países que não adoptarem políticas para corrigir esses desequilíbrios: 0,1% do PIB ao ano, ou 190 millhões de euros.
A coisa funciona assim:
1. Recomendações
No início do Verão, o Conselho da UE, por sugestão da Comissão Europeia, emite um conjunto de recomendações específicas ao país que visam combater os desequilíbrios identificados na economia dos Estados-membros.
2. Relatório de Alerta
No final do ano, a Comissão produz um Relatório de Mecanismo de Alerta onde identifica os países que potencialmente têm desequilíbrios com base numa bateria de indicadores que atenta às dimensões interna e externa. Esses países merecem depois uma análise aprofundada.
Eis o conjunto de indicadores considerados no mecanismo de alerta:
Os resultados da última análise relativa a Portugal destacaram os desequilíbrios no endividamento externo, no endividamento privado e público, e no desemprego.
3. Análises aprofundadas
As análises aprofundadas são publicadas em Fevereiro pela Comissão que confirma ou não os desequilíbrios macroeconómicos e, confirmando-os, gradua a sua gravidade. Avalia também a resposta que o país deu às recomendações específicas que lhe foram dirigidas no Verão anterior.
No último exercício, Bruxelas considerou que:
1. Portugal continuou em 2016 numa situação de desequilíbrios excessivos, em particular pelo elevado endividamento externo, pelas elevadas dívidas publica e privadas, pela fragilidade do sector bancário e o elevado nível de crédito malparado, e pelo elevado desemprego, em particular de longa duração e jovem.
2. A resposta nacional às recomendações específicas que lhe tinham sido dirigidas “limitada”, como sintetizamos no Negócios:
No seu boletim mensal, o BCE analisou as respostas dos vários países e conclui o mesmo que a Comissão: Portugal está na média, mas mal. A melhor classificação que conseguiu em 2016 foi registar “algum progresso” na implementação das recomendações 3 e 5, ou seja, nas políticas de emprego e na redução dos custos de contexto. Já nas contas públicas, no salário mínimo e no sector financeiro não foi além de “progressos limitados”, como mostra o gráfico avançado pelo banco central.
4. Consequências
Perante estes resultados, o BCE insiste que as regras são para cumprir: ou Portugal apresenta e implementa medidas de reforma que respondam às recomendações, ou deve ser sancionado, lê-se no boletim mensal do BCE.
O tema voltará à agenda em Maio, quando a Comissão Europeia analisar o Programa Nacional de Reformas que o Governo apresentará em Abril. Se considerar que falta ambição ou credibilidade, Bruxelas poderá propor ao Conselho da UE a abertura de um procedimento por desequilíbrios excessivos a Portugal, o qual pode culminar numa multa. No início do Verão chegarão também novas recomendações específicas ao país.
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