Fonte: Reuters
Foram gozados por todo o mundo. Os britânicos votaram para sair da União Europeia sem sequer saber o que é a UE. Mas será mesmo assim? Ou trata-se de uma interpretação abusiva dos dados?
Horas depois dos resultados surpreendentes do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a Internet estava incrédula. “Como é que eles foram capazes de fazer isto?”, gritou-se. A resposta, para muitos, envolvia uma qualquer versão de “eles não sabiam naquilo em que estavam a votar”. Uma tese que foi impulsionada por um tweet do Google Trends, que deu toda a munição necessária para ridicularizar a decisão dos eleitores.
+250% spike in “what happens if we leave the EU” in the past hourhttps://t.co/9b1d6Bsx6D
— GoogleTrends (@GoogleTrends) June 24, 2016
“Aumento de 250% de “o que acontece se sairmos da UE” na última hora”, escreveu o Google Trends. Horas depois, outro tweet:
“What is the EU?” is the second top UK question on the EU since the #EURefResults were officially announced pic.twitter.com/1q4VAX3qcm
— GoogleTrends (@GoogleTrends) June 24, 2016
“O que é a UE?” Foi música para os nossos ouvidos sarcásticos. Parecia confirmar a ideia de que o voto no referendo tinha sido desinformado e que os eleitores tinham uma fraca noção das consequências da sua decisão. Vários órgãos de comunicação social fizeram notícias sobre este disparo das pesquisas no Google. Até John Oliver pegou na informação para gozar com os seus compatriotas. A tese era suportada por declarações de pessoas na rua que diziam estar arrependidas do seu voto.
No entanto, esta conclusão pode ser bastante enganadora. O Google Trends é uma ferramenta útil para verificar se houve um aumento do número de pesquisas acerca de determinado tema, mas falta-lhe algo decisivo: contexto. Por exemplo, as pesquisas por “O que é a UE?” cresceram 250%. Mas face ao quê? Se antes só houvesse 10 pesquisas e agora 35, as pesquisas aumentariam 250%. Mas isso é relevante? Como questiona o International Business Times: “Sim, pode ter havido um grande aumento nas pesquisas sobre o que acontecerá se o Reino Unido sair da UE, mas comparado com o quê? Foram centenas de milhares de pessoas a procurar por essas respostas? Milhões?”
Em relação à pergunta que mais se presta ao gozo – “o que é a UE” – podemos estar a falar de menos de mil pessoas… Através da ferramenta Ad Words, também da Google, Remy Smith, um estudante de Ciência Política na Northwestern University, refere que em Maio 8.100 britânicos pesquisaram “o que é a UE?”. Isto é, 261 pesquisas por dia. Um aumento de 250% significaria pouco mais de 900 pessoas. Um pouco menos dramático, não? É mais difícil classificar o eleitorado britânico como ignorante.
Para relativizarmos ainda mais o número de pesquisas, repare no gráfico seguinte:
@DannyPage The lack of context really is astounding. pic.twitter.com/kN5BJkNDUQ
— B T (@Sammich_BLT) June 24, 2016
Podemos levar este exercício ainda mais longe com outros exemplos. Veja em baixo que a linha de pesquisa por “what is the eu?” nunca ultrapassa Cristiano Ronaldo. Bom, pode argumentar que a comparação não é justa. Afinal, Ronaldo tem o maior número de fãs do mundo no Facebook. Mas Kim Kardiashian é ainda mais imbatível do que o capitão da Selecção Nacional. E cozer um ovo? Só é ultrapassado por algumas horas no dia 24 (sexta-feira). As pesquisas por Karl Marx dão grande luta, estando quase sempre à frente da infame pergunta. Assim como o curling. Sim, o curling. Clique nas imagens para as ver com mais detalhe.
Como refere o utilizador do Medium, Danny Page, esta tese está a permitir “insultar um país inteiro, quando é provável que sejam apenas algumas poucas pessoas a pesquisar por algo da mesma forma como elas pesquisam sempre por algo”. “O que torna “Os britânicos estão a ‘googlar’ freneticamente “o que é a UE”, horas depois de votarem para sair” [título do Washington Post] absurdamente enganador sem melhores números”.
Isto tudo para dizer que devemos ter cautela na forma como utilizamos este tipo de ferramentas e como, por vezes, nos precipitamos a chegar a conclusões. Não quer dizer que milhares de eleitores britânicos não tenham votado sem saberem exactamente as consequências. Mas estes dados não nos conseguem dizer muito sobre isso. Serviram para alimentar uma narrativa – “quem votou “leave” é parvo” – que contribuiu para dar uma imagem errada aos leitores.
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