OE não bate certo: há impostos a mais e corte de despesa a menos

18/10/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Num mês o Governo apresentou três versões diferentes do pacote de ajustamento orçamental para 2013: uma no início de Setembro enviada a investidores; uma segunda a 3 de Outubro após o recuo da TSU; e a última a 15 de Outubro com o Orçamento do Estado. Entre o plano acordado com a troika em Setembro e a actual versão há mais 600 milhões de euros de austeridade. Um aumento de 9,6% sem explicação evidente. Por exemplo, entre as duas últimas versões (ambas já em Outubro e sem “o problema” da TSU), apareceram mais 300 milhões de euros nas contas dos sacrifícios pedidos aos portugueses.

 

Talvez ainda mais interessante para analisar o espectáculo mediático e político sobre despesa e impostos que se montou nos últimos dias na coligação governamental, seja o facto de, com as alterações introduzidas o Governo ter desistido de cortar centenas de milhões de euros na despesa pública, carregando no aumento da carga fiscal, como se resume no gráfico:

 

 

Fonte: Negócios, a partir de documentos do Governo (Nota do IGCP enviada a clientes, documento de suporte da conferência de imprensa de 3 de Outubro e Orçamento do Estado). Nota: Na Austeridade v2.0, assumiu-se a um valor conservador para a receita, apenas mais dois mil milhões de euros de IRS, pois foi esse o mínimo assumido pelo ministro em conferência de imprensa. Um contributo superior da receita implicaria uma redução no contributo da despesa no mesmo montante, visto que a dimensão do pacote de austeridade estava fixada: 3% do PIB; Por simplificação, o impacto dos salários de pensionistas e funcionários é considerado sempre na despesa pelo seu efeito líquido (isto é expurgado das consequências em termos de receitas fiscais e de contribuições). Esta opção favorece o contributo da despesa para a consolidação.

 

Recapitulando o que se passou. O plano de austeridade para 2013, inscrito na versão do memorando de entendimento de Junho deste ano, estabelecia já 2.825 milhões de euros de austeridade, 75% do lado da despesa. A austeridade adicional seria definida na avaliação seguinte (Agosto/Setembro), dependendo da evolução da execução orçamental. É aqui que começa a nossa história.

Austeridade v1.0 (O plano da troika e desvalorização fiscal)

 

Em Setembro, após a 5ª avaliação da troika, o IGCP, o instituto que gere a dívida pública enviou aos seus clientes em todo o mundo uma nota com o resumo dos resultados, que aqui se apresentam:

 

Dimensão do pacote de austeridade: 4.900 mil milhões de euros (2,9% do PIB)

Composição:

 

1) “Cerca de metade [da austeridade] já estava prevista” no memorando, o que corresponde aos 2.825 milhões de euros;

 

2) Corte das pensões acima de 1500 euros, uma medida já antes avaliada em cerca de 445 milhões de euros;

 

3) Um impacto positivo no orçamento de 500 milhões de euros resultante da desvalorização fiscal (isto é, os trabalhadores pagariam mais 2.800 milhões de euros de TSU, mas as empresas pagariam apenas menos 2.300 milhões de euros);

 

4) O IGCP afirmava que se adoptariam medidas adicionais de redução de número de funcionários e de consumos intermédios para chegar aos 4,9 mil milhões de euros, o que, contas feitas, implicaria 1,1 mil milhões de euros de poupanças;

 

Neste cenário, do esforço total de consolidação orçamental, 65% chegava pelo lado da despesa. O Governo devolveria um salário aos funcionários, mas retirava-o depois através do aumento da TSU. No sector privado, e através da desvalorização fiscal via TSU, o Executivo transferia 2.300 milhões de euros das famílias para as empresas com o objectivo de criar emprego. Toda a gente sabe o que se passou a seguir: milhares de pessoas nas ruas e duras críticas de empresários levaram o Governo a recuar na TSU, e a apresentar um plano orçamental de emergência a 3 de Outubro.

Austeridade v2.0 (O recuo e um artifício em torno do IMI?)

 

A 3 de Outubro, e após aprovação em Bruxelas – mas aparentemente não em sintonia com todo o Governo – Vítor Gaspar apresentou o novo plano de austeridade, baseado essencialmente em impostos e com uma dimensão superior de cerca de 150 milhões de euros (de 2,9% para 3% do PIB). A necessidade de mais austeridade foi justificicada com uma revisão em alta do desemprego (mas sem alteração do PIB) decorrente do recuo na TSU. Nascia o “enorme” aumento de impostos.

 

Dimensão do pacote de austeridade: 5.000 milhões de euros (3% do PIB)

 

Composição:

 

1) Vítor Gaspar garantiu que mantinha o essencial do programa anterior do lado da despesa, sendo que trocaria a receita adicional de TSU por um aumento do imposto sobre o rendimento, num valor que disse que seria pelo menos de dois milhões de euros.

 

2) Os impactos orçamentais do recuo na TSU tinham implicações orçamentais de 1.500 milhões de euros: 500 milhões de euros do sector privado que deixavam de entrar nos cofres do Estado e mais mil milhões nas despesas com pensões e funcionários (decorrente da devolução de um salários aos trabalhadores e de 1,1 salário aos pensionistas)

 

Tal como notámos na altura, com este pacote de ajustamento o Governo estava a apontar para cortar menos da despesa, compensando com receita de impostos. A diferença seria de pelo menos 500 milhões de euros, mas até poderia ser superior, uma vez que, nessa mesma conferência, se anunciou por exemplo o fim da cláusula de salvaguarda do IMI que renderia mais uns milhões ao Estado (visto que o tamanho do pacote estava fixo nos 3%, isso implicaria ainda menos despesa).

 

Um conclusão que se consegue tirar neste momento a partir dos dados do próprio Governo, considerando “apenas” dois mil milhões de euros de receita de IRS, e até reduzindo o corte de despesa, não seria necessário aumentar a receita de IMI para garantir as metas orçamentais. Coincidência ou não, dias depois do seu anúncio, a supressão da cláusula de salvaguarda acabou por cair, o que o Governo atribuiu a um “enorme” esforço de corte de despesa.

 

Neste cenário, as medidas de austeridade ascenderiam a 5.000 milhões de euros, com 45% do esforço a chegar do lado da despesa, menos que em Setembro.

Austeridade v2.1 – o maior aumento de IRS da história

 

A 15 de Outubro, com a proposta de Orçamento do Estado, o Governo revelou a terceira versão do seu plano orçamental para 2013. Em menos de duas semanas, o plano cresceu mais 300 a 350 milhões de euros, com um forte aumento da carga fiscal e ainda menos cortes na despesa.

 

Dimensão do pacote de austeridade: 5.337 milhões de euros (3,2% do PIB)
 

 

Composição:

 

1) O plano segue a lógica do apresentado a 3 de Outubro; 

 

2) O aumento da receita de IRS é afinal de 2,8 mil milhões de euros. Os encaixes com os restantes impostos (IRC, especiais e selo e IMI) são também revistos em alta face aos planos iniciais em 350 milhões de euros. O Governo encontrou ainda uma rúbrica “outras receitas”, que nao explica no relatório de OE, onde inscreve 84 milhões de euros. O encaixe total da receita sobe de 2,7 mil milhões de euros assumidos no início de Outubro para 4 mil milhões de euros. O contributo da receita é superior a 70%. (Se considerada a receita adicional em IRS e contribuições pagas pelos funcionários e pensionistas, a receita aumenta ainda mais, elevando para 80% o esforço que chega pela receita).

 

3) Com esta ajuda da receita, o Governo aliviou o corte na despesa em mais de mil milhões de euros em apenas duas semanas. Os cortes previstos pelo Governo agora até são menores que os previstos em Junho. Cortou menos em todas as rubricas, excepto numa: o corte nas prestações sociais que triplicou para 620 milhões de euros.

 

 

 

 

 

Rui Peres Jorge