Um dos pontos mais curiosos do PEC 4 é o facto de fazer tábua rasa de tudo o que foi apresentado até aqui. Partindo de um défice de 4,6%, o Governo acrescenta medidas no valor de 2,5 e 1,2 pontos percentuais de PIB em 2012 e 2013, de forma a chegar ao fim do ciclo com um buraco orçamental de 2%. Ou seja, o PEC 4 faz um “reboot” do sistema e põe o contador a zeros.
A justificação oficial do Governo é a seguinte: até aqui, só tinham sido apresentadas medidas de consolidação para atingir o défice de 2011. As medidas agora apresentadas limitam-se a dar substância a essas metas, preenchendo as lacunas que tinham ficado abertas. Fomos verificar:
1) Uma vista de olhos à página 19 do Relatório de Orientação de Política Orçamental, apresentado em meados do ano passado, permite conhecer o impacto acumulado das medidas do PEC 2 até 2013. Na altura, o Executivo já tinha metas de défice de 4,6% do PIB em 2011, 3% em 2012 e 2% em 2013;
2) Depois, é uma questão de acrescentar as medidas do PEC 3 e do PEC 4 à informação do PEC 2;
Os quadros em baixo foram contruídos com base nos dois comunicados feitos à imprensa aquando da apresentação dos vários PEC. O primeiro é relativo ao PEC 3 e o segundo é relativo ao PEC 4. Os quadros identificam o impacto orçamental de cada PEC, separando este impacto por medida e por ano. Na penúltima linha faz-se o somatório dos impactos das medidas. Na última, calcula-se o défice que se deveria verificar caso os impactos previstos se verificassem na prática.
PEC 3 – Impacto orçamental e défice após medidas
Ou seja, com o PEC 3 – o que serviu de base ao OE para este ano – e se o PEC se tivesse concretizado na totalidade, teríamos já um défice abaixo dos 3% do PIB em 2011. E chegaríamos a 2013 com um desequilíbrio de apenas 0,9% do PIB. Entretanto, na sexta-feira chegou um PEC 4.
PEC 4 – Impacto orçamental e défice após medidas
Com as medidas do PEC 4, e considerando todas as anteriores, o saldo orçamental passaria a positivo já em 2012.
O somatório dos impactos é o gráfico de baixo. Dá-se de barato que, sem quaisquer medidas, o défice manter-se-ia nos 9,3% atingidos em 2009. Mesmo assim o somatório dos três PEC atirava o saldo orçamental de 2013 para um excedente perto de 3% do PIB.
Fonte: Governo e PEC IV
Há várias explicações para este resultado absurdo:
1) O cenário macroeconómico é pior do que o Governo esperava. As receita de base são, por isso, mais baixas do que estava subjacente aos primeiros PEC, com a despesa a fazer o percurso inverso. É plausível.
2) Algumas das medidas são duplicadas. Ou seja, há impactos que na verdade deveriam ser consolidados. De facto, é o que acontece com algumas das medidas anunciadas no campo dos cortes de despesa social e Serviço Nacional de Saúde (SNS), que já apareciam, sob outro nome, no PEC 1. É pouco transparante.
3) O impacto das medidas foi sobreestimado. Isso parece claro nalgumas medidas, como as que apontavam para uma poupança muito elevada com o simples congelamento de ingressos na Função Pública. A ser verdade é um erro técnico.
4) Algumas das medidas não foram, ou não vão ser, implementadas. Se assim for então, isso já é batota.
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