O dinheiro do BCE vai chegar à economia real?

09/03/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

O Negócios questionou por e-mail cinco especialistas em economia financeira e política monetária sobre o papel do BCE e de Mario Draghi nos últimos meses, com especial enfoque nos dois empréstimos a três anos com que o banco central cedeu um bilião de euros aos bancos europeus e na flexibilização das regras de colateral para sete países, incluindo Portugal.

 

As respostas chegaram por telefone (Charles Wyplosz e Jacob Kirkegaard) e por e-mail (Daniel Gros, Frank Westermann e Ricardo Reis) e foram contributos valiosos para os dois trabalhos que o Negócios publicou ontem e hoje sobre o tema na sua edição em papel. Agora publicamos, em vários “posts” no massa monetária, as respostas completas dos cinco economistas a questões centrais para reflectir sobre o BCE e o futuro do euro.

 

O dinheiro dos empréstimos cedidos pelas LTRO vai chegar à economia real? Os bancos vão emprestar o dinheiro? Em que condições?

 

[Jacob Kirkegaard] O facto de mais de 800 bancos terem participado no empréstimo foi muito encorajador. Nesse número estão alguns bancos mais pequenos, os quais até emprestarão com mais probabilidade à economia do que os mega-bancos. Com estes empréstimos creio foi evitado um “credit crunch” na Zona Euro. Agora, é claro que há um papel para os reguladores na vigilância e na pressão sobre os bancos no financiamento da economia. Em países como Portugal, que estão a atravessar uma recessão, a resposta pode ser um pouco diferente, pois tem também de levar em consideração que poderá existir falta de contrapartes elegíveis.

 

[Charles Wyplosz] Os bancos não vão emprestar por uma simples razão: nunca o fazem quando uma economia está em contracção. Nós aliás sabemos o que os bancos farão com o dinheiro: uma parte será usada para comprar alguma dívida pública com que farão dinheiro, a outra parte irão depositá-la no BCE. Mas creio que o grande facto nestas acções é que, antes de Dezembro, tínhamos vários bancos em risco por problemas graves de liquidez. Esse risco desapareceu. E é por isso que estes empréstimos do BCE são a primeira grande boa notícia desde 2010.
    

[Daniel Gros] Os LTRO evitaram o colapso, mas não deverão conduzir a um aumento da concessão crédito. Sem os empréstimos, o crédito teria colapsado.

 

[Ricardo Reis] O principal objectivo das LTRO é a estabilização dos mercados de dívida soberana. Para obter 100 euros na LTRO, um banco português tem de comprar mais de 100 euros de obrigações do governo português para entregar como colateral para este empréstimo. Por isso, o dinheiro está a ser emprestado pelo BCE aos bancos, mas serve no fundo para financiar os governos da Zona Euro. A questão passa então por saber se isto liberta outros fundos dos bancos que injectem na economia e que, de outra forma,  estariam presos para compra de obrigações. Mais do que monitorizar o que está a acontecer com o crédito interno ou as reservas no BCE, penso que olhar para as taxas de juro nos mercados de crédito nacionais é o mais importante. Não vi até agora grande melhoria.

 

[Frank Westermann] A LTRO já evitou uma contracção de crédito que, de outra forma, teria ocorrido. Num prazo mais longo não sabemos o que é que os bancos vão fazer com o dinheiro – poderão financiar investimento, os governos ou move-lo para fora dos respectivos países. Eu estou preocupado com esta última opção. Quando nova moeda criada é transferida para outros países, dentro da Zona Euro, isso gera activos e passivos entre os bancos centrais nacionais. Os bancos centrais que recebem o dinheiro ficam com um passivo no sistema TARGET do BCE, e os bancos centrais que enviam o dinheiro ficam com um activo. Estes saldos já são muito elevados, reflectindo uma crise de balança de pagamentos que se tem prolongado. Estou agora preocupado que a expansão monetária possa financiar mais fugas de capital, acabando eventualmente por esmagar o sistema de pagamentos. Isso poderia ser muito dispendioso para os contribuintes.

 

Rui Peres Jorge