Nos últimos dias o Negócios publicou uma entrevista a Paul De Grauwe em duas levas: na sexta-feira, o professor da Universidade Católica de Leuven considerou insuficientes os resultados da Cimeira Europeia da semana passada; e hoje insiste que o BCE tem de dizer que estará disposto a avançar com poder financeiro total e enquanto for preciso“.
Apesar de decisões históricas na Europa (impensáveis há dois anos, por exemplo), a crise continua a alastar, com os juros italianos a disparar. Um artigo académico do professor belga publicado em Abril ajuda a perceber o porquê. Paul Krugman diz que gostava de ter sido ele a escrever esse texto que na essência defende que, ao entrar na Zona Euro, um país adopta uma moeda estrangeira, colocando-se numa situação de vulnerabilidade que só é experimentada pelas economias emergentes. Daí a importância do BCE.
Em “The Governance of a Fragile Eurozone”, De Grauwe escreve que “ao entrar numa união monetária, um estado-membro altera de forma fundamental a natureza da sua dívida soberana”, isto é, “deixa de ter controlo sobre a moeda em que a dívida está denominada”, pelo que, ao não conseguir imprimir moeda, o país passa poder ser forçado a um incumprimento apenas por pressão dos mercados. E é por isso, por exemplo, que apesar de não terem indicadores económicos significativamente diferentes, Espanha está a sofrer muito mais pressão que o Reino Unido.
“Em certa medida os estados-membros de uma união monetária são 'cortados' para o nível de economias emergentes”, escreve, o que lembra que a maioria – se não a totalidade dos defaults na história – aconteceram em países que não dispunham, na prática, de moeda própria credível nos mercados internacionais. Face ao factos dos estados-membros denominarem a sua dívida numa moeda estrangeira, a união monetária torna-se “frágil e vulnerável a mudanças de sentimentos no mercado”.
Neste contexto, é facil perceber que não haverá fim da crise europeia sem o que BCE assuma o seu papel como garante da estabilidade financeira e credor de último recurso, avisando os investidores que não hesitará em imprimir moeda e que não deixará cair países solventes. Nessa tarefa, não há Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) que valha: é que para ser credível, não pode haver limites quando à capacidade financeira de intervenção, nem truques sobre as possibilidades de alavancagem.
(Sobre o papel de credor de último recurso dos bancos centrais, Brad DeLong escreve no Project Syndicate um artigo interessante onde defende que para assumir esse papel o BCE não pode nem deve ter de um mandato explicito)
Voltando ao artigo De Grauwe, o economista continua explicando porque é que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (o instrumento que vai substituir o FEEF) não é uma boa solução para Europa, exacerbando as fragilidades já existentes na Zona Euro, uma discussão que ainda teremos no futuro:
I conclude that the new governance structure (ESM) does not sufficiently recognize this fragility. Some of the features of the new financial assistance are likely to increase this fragility. In addition,it is also likely to rip member-countries of their ability to use the automatic stabilizers during a recession. This is surely a step backward in the long history of social progress in Europe. I suggest a different approach to deal with these problems.
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