Manigâncias orçamentais

06/02/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Pedro Marques, deputado do PS, recorreu à expressão no último debate parlamentar com Morais Sarmento, o secretário de Estado do Orçamento Fonte: Negócios

 

Uma breve pesquisa na internet revela que a expressão “manigâncias orçamentais” foi usada por várias vezes no debate orçamental ao longo dos anos, e por isso é com receio de alguma injustiça que escrevemos nos parece que, no passado mais recente, terá saltado para ribalta com uma intervenção de Francisco Louçã, em Janeiro de 2010, contra José Sócrates. 

 

Desde então, a expressão tem sido aproveitada por responsáveis políticos de vários quadrantes (normalmente na oposição). O último exemplo chegou no último debate parlamentar sobre a execução orçamental de 2012 por Pedro Marques, deputado socialista, que criticava e quantificava o número de operações não repetíveis com impacto nas contas públicas.

 

Uma das razões para a frequente referência às “manigâncias orçamentais” está na abundância destas operações irrepetíveis que, por várias razões, têm sido usadas pelos Governos ao longo dos anos. Muitas delas têm procurado salvar os défices orçamentais (as famosas receitas extraordinárias), outras são o resultado de decisões políticas conjunturais como a regularização de dívidas do passado, concessões de serviço público ou perdões fiscais, como o recente RERT. 

 

O leque é vasto e difícil de seguir. 

 

Vale-nos um precioso trabalho da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) que nas análises mensais à execução orçamental aponta cada uma das operações em 2011 e 2012 e a respectiva execução (sempre numa lógica de contabilidade pública, isto é, o registo do dinheiro que entra e sai dos cofres das administrações públicas).

 

A tabela da UTAO que confere a necessária transparência ao debate orçamental segue em baixo, mostrando que o seu impacto é tal que, sem estas operações, o défice orçamental teria baixado de 2011 para 2012 (de 9.657 milhões de euros para 8.695 milhões de euros), apesar de com elas o desequilíbrio entre receitas e despesas ter efectivamente subido (de -5.861 milhões de euros para -7.028 milhões). 

 

 

Fonte: UTAO, nota mensal de análise à execução orçamental de Janeiro a Dezembro 

 

Tentando resumir. Em 2011, contam-se:

 

– quatro operações que reduziram o défice de 2011, avaliadas em 4.653 milhões de euros (ignoramos um impacto residual negativo de 9 milhões de euros relativos a fundos estruturais). O destaque vai para os 3.263 milhões de euros de receita obtida pela transferência dos fundos de pensões da banca para a Segurança Social no final de 2011 (os restantes 2.687 milhões associados a esta operação só entraram nos cofres púbilcos em 2012);

 

– Uma operação com impacto negativo no défice avaliada em 849 milhões de euros, decorrente de pagamentos a concessionárias;

 

O efeito líquido destas “manigâncias” foi uma redução de 3.795 milhões de euros do défice em contabilidade pública, de 9.657 milhões de euros para os 5.861 registados pelo ministério das Finanças como défice oficial de 2011.

 

Em 2012, a profusão e complexidade de operações foi ainda maior:

 

– Para simplicação, retiramos da análise as operações registadas no quadro da UTAO que são transferências do Estado para outros subsectores pois não têm impacto no défice na lógica das Administrações Públicas (são despesa do Estado e receita de outros subsectores). Estas  estão avaliadas em 3.525 milhões de euros. Aqui incluem-se 1.932 milhões de euros de transferências do OE para o SNS (deste montante, 1.500 milhões acabaram por ser usados em regularização de dívidas com impactos negativos no défice de 2012 – ver abaixo); 516 milhões de transferências do OE para a Segurança Social para pagar pensões dos bancários (a totalidade acabou por ser gasta e com impacto no défice – ver abaixo); 857 milhões de reforço do orçamento da Segurança Social (feito no final do ano) e 220 milhões transferidos para a CGA.

 

– Retiradas as operações anteriores, a UTAO dá conta de oito operações com impacto positivo (reduziram o défice) no défice de 2012, avaliadas em 4.868 milhões de euros. O destaque vai para 2.687 milhões da segunda tranche da transferências do fundos de pensões da banca; 800 milhões de euros da polémica concessão da gestão dos aeroportos à ANA realizada em Dezembro de 2012; 476 milhões de receita da última tranche da transferência dos fundos de pensões da PT (realizada em 2010) e 258 milhões de euros do perdão fiscal de 2012.

 

– Cinco operações tiveram um impacto negativo no défice em contabilidade pública de 2012, num valor de 3.201 milhões de euros. Entre estas destacam-se os 1.500 euros de pagamentos de dívidas em atraso na Saúde, os 749 milhões de euros que chegaram pela inclusão nas contas de 2012 de algumas empresas públicas e os 516 milhões de euros de despesas com as pensões dos bancários.

 

Contas feitas, o efeito líquido destas operações melhorou o défice orçamental de 2012 em 1.667 milhões de euros, reduzindo o desequilíbrio de 8.695 milhões de euros para 7.028 milhões de euros registados no final de 2012.

 

A qualificação de “manigância” para estas operações ficará para o debate político. Uma coisa é certa: com tanta operação extraordinária analisar a execução orçamental transforma-se missão quase impossível. Vale-nos a UTAO.

 

 

Rui Peres Jorge