Ou, se as há, não é fácil descobri-las. Esta é, pelo menos, a primeira leitura a fazer do Orçamento do Estado de 2012, apresentado na semana passada ao Parlamento. O Governo tinha anunciado durante a campanha que queria colocar a “máquina” do Estado a gastar menos, mas o OE, que detalha as medidas já conhecidas e revela um conjunto de medidas adicionais, parece apontar numa direcção bem diferente.
Comecemos pelas medidas de consolidação. Desde Maio, altura em que o Memorando de Entendimento foi assinado com a “troika”, que se sabia que havia a necessidade de apresentar medidas de impacto considerável em 2012. Aliás, o Memorando já tinha uma previsão. Dos 5.073 milhões de euros que tinham de ser cortados, os principais contributos eram feitos da seguinte forma:
- Impostos indirectos: 21%
- Prestações sociais: 21%
- Corte de investimentos: 17%
- Gastos com função pública: 15%
- Consumos intermédios: 14%
- Prestações sociais em espécie: 14%
- Impostos directos: 9%
- Subsídios: 6%
Entretanto, o Governo detectou buracos nas contas de 2011. Uma parte é “one off” (não se repete) e por isso só tem impacto este ano. A outra parte transita (desvios nos salários da função pública ou buracos nas empresas públicas, que fazem subir a fasquia com que se parte para 2012) e portanto tem de ser corrigida no próximo ano. Mas a forma como o Governo propõe corrigir os desvios parece chocar com o discurso oficial. De seguida mostramos a correcção introduzida a cada lote de medidas, expresso em milhões de euros, com um sinal positivo a significar que o impacto das medidas foi reforçado (e um sinal negativo a indicar que foi diminuído):
- Impostos indirectos: + 1.274M€
- Prestações sociais: + 993M€
- Corte de investimento: + 77M€
- Gastos com função pública: +1.954M€
- Consumos intermédios: -12M€
- Prestações sociais em espécie: +316M€
- Impostos directos: +233M€
- Subsídios: -224M€
O buraco adicional de 4 mil milhões de euros foi praticamente tapado com o corte de pensões, de salários e a subida de impostos (IVA). Em rubricas como os consumos intermédios e subsídios à actividade económica, não só não há qualquer esforço adicional como o impacto inicial é fortemente revisto em baixa. Nova estratégia? Ou o assumir, por parte do Governo, de que as poupanças inicialmente previstas eram impossíveis de fazer?
Estas duas rubricas levantam outras questões. Segundo o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) revisto em Setembro – um mês antes do OE -, a despesa em consumo intermédio deveria ser de 7.861M€ este ano e de 7.255M€ em 2012. Agora, o OE 2012 diz que a despesa derrapa ligeiramente em 2011 (65M€), mas que “engorda” 530M€ em 2012 face à previsão do PAEF. Porquê? É certo que há uma revisão em baixa das poupanças esperadas com as medidas de consolidação, mas nada que justifique uma diferença desta dimensão.
Segunda questão: subsídios. Repetindo a análise, concluímos que o PAEF previa gastos com subsídios de 1.183M€ em 2011 e de 871M€ em 2012. O OE revê os valores: mais 323M€ este ano e mais 795M€ em 2012. De novo, a revisão em baixa das poupanças com as medidas de consolidação apenas explica 224M€ da nova previsão, restando 571M€ para atribuir. Mesmo que se assuma que os 323M€ de “desvio” esperados para este ano dizem respeito a “buracos” de despesa corrente que passam necessariamente para o ano seguinte, continuam 248M€ (571-323) por explicar.
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