Investimento em mínimos desde 1987

09/03/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

PIB caiu 1,6% em 2011, um pouco mais que a anterior estimativa. José Miguel Moreira, do Montepio, explica os números detalhados do PIB e aponta o investimento como a variável que mais penalizou o desempenho no último trimestre do ano. Caiu 14% face a trimestre anterior para o nível trimestral mais baixo desde 1987. Bárbara Marques, do Millennium bcp, também analisa os contributos para a queda do PIB o ano passado e mantém a previsão de uma contracção do PIB de 3,5% este ano.

   

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.  

 

Bárbara Marques – Gabinete de Estudos Millennium bcp

 

1. No 4º trimestre a atividade económica real contraiu-se em 2,8% face ao período homólogo (-1,3% em variação trimestral). Esta evolução deveu-se a uma acentuada redução do consumo privado (-6,5%), designadamente da despesa de consumo de bens duradouros – automóveis – por parte das famílias (-31,3%), e da despesa em investimento (-24,3%), resultando num agravamento do contributo negativo da procura interna (de -5,3 p.p. no 3º trimestre para -10,3 p.p.). O contributo da procura externa líquida situou-se nos 7,5 p.p., por efeito da diminuição expressiva das importações de bens e serviços (-13,5%) e pela evolução positiva das exportações (+5,8%), embora as exportações de serviços tenham registado um abrandamento. O défice da balança comercial registou assim uma significativa melhoria, o que, conjugado com a melhoria do saldo de rendimentos primários e com o aumento das transferências de capital para o nosso país, resultou numa posição credora líquida de Portugal face ao resto do mundo, no último trimestre de 2011.

 

2. O PIB português diminuiu em termos reais 1,6% em 2011, valor abaixo do que foi avançado pelo INE em fevereiro por revisão em baixa de 0,1 p.p. nas taxas de variação homóloga em todos os trimestres de 2011, devido à incorporação de novos dados sobre o consumo público, que se verificou mais elevado em 2010 (+0.9%) e mais reduzido em 2011 (-3.9%). Em termos anuais, apenas Portugal e a Grécia registaram um crescimento económico negativo em 2011, pese embora se tenha verificado um abrandamento da atividade económica europeia no último trimestre do ano, com mais países a apresentar variações inferiores à média europeia.

 

3. Destaca-se ainda a forte correção nas existências no último trimestre de 2011 como fator de potenciação de produção no primeiro semestre de 2012. Mantemos a projeção de uma diminuição do PIB em termos médios ao longo do ano próxima de 3,5%, mas os dados disponíveis até ao momento sugerem uma evolução ligeiramente mais favorável do que esperado no primeiro trimestre.

 

 

 

José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. A estimativa final do INE para o PIB português do 4ºT2011 veio confirmar o valor inicialmente avançado, de uma contração trimestral de 1.3%. Trata-se de um resultado em linha com as nossas atuais e anteriores expetativas, mas que, aquando da estimativa preliminar, surpreendera o mercado pela positiva, revelando-se inferior à prevista pelo consenso da Bloomberg (-1.5%), entre os quais o Montepio se apresentou não só como uma das mais otimistas, como também como a única certeira, algo que já tinha sucedido também com a estimativa preliminar do 3ºT2011. Este representou, no entanto, um intenso agravamento do ritmo de contração, depois da queda de 0.6% observada no 3ºT2011, implicando a permanência da economia portuguesa em recessão pelo 5º trimestre consecutivo.

 
2. Em termos homólogos, a queda do PIB foi ligeiramente revista de -2.7% para -2.8%, depois do decréscimo de 1.9% observado no 3ºT2011, com esta com esta contração do PIB a resultar, segundo o INE, do forte contributo negativo da procura interna, que se agravou significativamente, passando de -5.3 p.p. no 3ºT2011 para -10.3 p.p., refletindo principalmente diminuições mais intensas do investimento e do consumo privado. O contributo positivo da procura externa líquida aumentou para 7.5 p.p. (+3.3 p.p. no trimestre anterior), refletindo sobretudo a diminuição mais expressiva das importações de bens e serviços, visto que, embora mantendo um crescimento relativamente elevado, as exportações desaceleraram. Em termos anuais, o PIB contraiu 1.6% em 2011, depois de em 2010 a economia portuguesa ter conseguido crescer 1.4%, mas não tendo sequer conseguido recuperar metade do que havia caído em 2009 (-2.9%), representando a 3ª queda mais intensa do PIB português desde pelo menos 1960, acompanhada pela referida contração de 2009, e pela mais intensa queda de 5.1% em 1975, após o 25 de abril.
 

3. Regressando aos dados em cadeia e detalhando a análise, esta estimativa final veio confirmar na generalidade o que havíamos antecipado acerca do comportamento das diversas componentes do PIB na ótica da despesa, com a economia a ver-se penalizada no 4ºT2011 por todas as componentes da procura interna, designadamente pelo consumo privado, que registou uma contração em cadeia de 3.1%, um pouco superior à que havíamos admitido, contabilizando o seu 4º trimestre consecutivo de queda (-0.1% no 3ºT2011, ligeiramente revisto em baixa da anterior estagnação), e pelo investimento, que contraiu uns impressionantes 13.8% (-1.5% no trimestre anterior), evidenciando o contributo mais desfavorável para a evolução trimestral do PIB (-2.4 p.p.), embora acompanhado de bastante perto pelo consumo privado (-2.0 p.p.). Esta queda do investimento refletiu um comportamento desfavorável tanto do investimento em capital fixo (-7.3%), bastante penalizado pelas fracas perspetivas de negócios dos empresários, como da variação de existências, que apresentou um contributo negativo de 1.1 p.p., depois de no 3ºT2011 ter contribuído positivamente para o crescimento do PIB (+0.2 p.p.). Dentro da procura interna, somente o consumo público escapou a quedas desta magnitude, pese embora acabando por cair mais do que a marginal descida que havíamos admitido, contraindo 0.6%, depois de já ter descido 2.2% no 3ºT2011. As exportações líquidas foram, assim, como esperado, as únicas a impulsionar a economia portuguesa no derradeiro trimestre do ano, evidenciando um forte contributo positivo de 3.3 p.p., mas à custa de uma forte contração de 9.7% das importações, no quadro da já referida intensa redução da procura interna, revelando-se mais intensa do que havíamos admitido e depois de dois acréscimos consecutivos (+2.3% no 3ºT2011), tendo mais do que compensado a menor queda observada nas exportações, que caíram 1.8%, pela 1ª vez nos últimos 4 trimestres (+2.9% no trimestre anterior).

 

4. O consumo privado foi, a par do investimento, um dos principais responsáveis pela forte queda do PIB no 4ºT2011, tendo registado uma contração em cadeia de 3.1%, um pouco superior à que havíamos admitido, contabilizando já o seu 4º trimestre consecutivo de queda, depois do registo do 3ºT2011 ter sido revisto em baixa, de uma estagnação para uma ligeira queda de 0.1%. Com este registo, o consumo privado caiu para níveis mínimos desde o 3ºT2004. Como esperado, o consumo de bens duradouros destacou-se largamente pela negativa, tendo observado uma intensa queda de 10.6%, elevando para quatro trimestres a série de significativas quedas (-5.7% no 3ºT2011), evidenciando já a 5ª contração dos últimos 6 trimestres. O consumo de bens alimentares também caiu, mas de uma forma bastante menos intensa e representando somente a 3ª dos últimos 4 trimestres (-0.7% vs -0.5% no 3ºT2011), refletindo a natural maior rigidez da procura deste tipo de bens de caráter mais essencial, ao passo que o consumo de outros bens e serviços (excluindo produtos alimentares) regressou igualmente às quedas, contraindo 2.9% depois de uma fugaz passagem por terreno positivo no 3ºT2011 (+0.8%), representando já a 4ª queda dos últimos 5 trimestres. A penalizar a evolução do consumo privado no 4ºT2011 estiveram o conjunto de medidas de austeridade que já haviam sido anunciadas para esse período (designadamente, o aumento do IVA na energia e a sobretaxa que será aplicada ao subsídio de Natal), bem como as novas fortes medidas constantes no OE para 2012 (onde se destaca a mediática eliminação dos subsídios de férias e de Natal para os funcionários públicos e pensionistas), que terão provocado uma atitude ainda mais cautelosa dos consumidores no final de 2011, e que fora, como vimos, naturalmente mais visível nas componentes do consumo mais cíclicas, como é o caso do consumo de bens duradouros.
  

6. O investimento foi quem mais contribuiu para a queda da atividade económica no derradeiro trimestre do ano (-2.4 p.p.), refletindo uma impressionante queda em cadeia de 13.8%, que foi a 9ª consecutiva e em considerável agravamento (-1.5% no 3ºT2011), tendo resvalado para níveis mínimos desde o 4ºT1987 e tendo sido penalizado tanto pelo investimento em capital fixo, bastante condicionado pelas fracas perspetivas de negócios dos empresários, como pela variação de existências, esta última apresentando um contributo negativo de 1.1 p.p., depois de no 3ºT2011 ter contribuído positivamente para o crescimento do PIB (+0.2 p.p.). O investimento em capital fixo (FBCF) penalizou ainda mais a dinâmica da atividade, tendo apresentado um contributo negativo de 1.3 p.p. (-0.5 p.p. no trimestre anterior), refletindo uma forte contração em cadeia de 7.3%, ligeiramente superior às indicações que eram dadas pela informação mensal disponível e representando já a 7ª queda consecutiva e em considerável agravamento (-2.9% no 3ºT2011). Esta quebra da FBCF refletiu um comportamento desfavorável da generalidade das suas componentes, tendo assumido neste trimestre maior expressão nas máquinas e equipamentos, onde o investimento resvalou 12.0%, representando já a 5ª queda consecutiva (-2.4% no 3ºT2011). O investimento em material de transporte viu desagravado o ritmo de queda, mas permanecendo a evidenciar uma forte contração (-5.6% vs -14.1% no trimestre anterior) e uma tendência de descida mais expressiva, sendo igualmente de realçar a queda de 6.3% no investimento em construção, neste caso em agravamento (-1.9% no 3ºT2011), com estes dois segmentos da FBCF a renovarem níveis mínimos históricos. Importa relembrar que os níveis de utilização de capacidade instalada permanecem relativamente baixos, não sendo expectável uma recuperação paulatina do investimento antes da atividade iniciar, ela própria, uma recuperação relativamente robusta, o que, perante a esperada contração da procura interna durante os próximos tempos, torna as exportações como o principal suporte do investimento. É, ademais, num contexto de fraca utilização de capacidade instalada que se admite que o investimento que está a ser efetuado vise, essencialmente, a reposição de stocks, a atualização de equipamento para produzir novos produtos ou a introdução de novos processos, não tendo como causa fazer face a um crescimento da procura. Além disso, a deterioração das condições de financiamento da economia portuguesa continuarão a constituir um entrave adicional ao investimento, na medida em que se têm vindo a refletir no aperto das condições de concessão de crédito.
 

7. Dentro da procura interna, somente o consumo público escapou a quedas desta magnitude, pese embora acabando por cair mais do que a marginal descida que havíamos admitido, contraindo 0.6%, contribuindo com -0.1 p.p. para o crescimento trimestral do PIB. Isto depois de no 3ºT2011 já ter descido 2.2%, revertendo então o acréscimo de 2.1% observado no trimestre precedente. Recorde-se que o referido crescimento do agregado no 2ºT2011 havia causado uma certa estranheza, por ocorrer num contexto de um exigente processo consolidação orçamental e onde seria expectável assistir-se a uma maior contenção deste agregado. Uma inesperada subida que o INE veio justificou então com o pagamento de serviços financeiros ao exterior, associados ao programa de assistência financeira a Portugal.

 

8. Finalmente, as exportações líquidas foram, como esperado, as únicas a impulsionar a economia portuguesa no derradeiro trimestre do ano, evidenciando um forte contributo positivo de 3.3 p.p. (+0.1 p.p. no 3ºT2011), mas à custa do facto das importações terem autenticamente resvalado no quadro da já referida intensa redução da procura interna, tendo mais do que compensado a menor queda observada nas exportações. Tratou-se de um contributo superior ao que o que havíamos admitido, mas refletindo, essencialmente, a pior dinâmica das importações, que contraíram uns intensos 9.7%, depois de dois acréscimos consecutivos (+2.3% no 3ºT2011 e +1.3% no 2ºT2011) e de, no 1ºT2011 terem também caído fortemente (-7.6%), na altura, recorde-se, penalizadas, designadamente, pela diminuição das importações de automóveis, resultante de uma correção face à antecipação do consumo observada no final de 2010. Este forte decréscimo das importações no 4ºT2011 ficou a dever-se tanto às importações de bens, que contraíram uns impressionantes 10.7%, mais do que revertendo a também forte subida do trimestre anterior (+3.3% no 3ºT2011), como às importações de serviços, estas últimas contraindo pelo 2º trimestre consecutivo (-4.2% vs -3.5% no 3ºT2011), mas não conseguindo ainda corrigir totalmente o enorme acréscimo de 12.4% observado no 2ºT2011 (refletindo, em grande parte, o já referido pagamento de serviços financeiros ao exterior, associados ao programa de assistência financeira ao país). As exportações também caíram e um pouco mais do que havíamos antecipado, representando a 1ª queda dos últimos 4 trimestres (-1.8% vs +2.9% no 3ºT2011) e corrigindo ligeiramente dos níveis máximos históricos em que se encontravam, tendo se visto penalizadas tanto pelas exportações de bens, como de serviços, de uma forma um pouco mais intensa neste último caso (-1.7% e -2.0%, respetivamente), mas depois de 6 acréscimos trimestrais consecutivos, que haviam colocado as exportações de serviços em níveis máximos históricos.
 

9. Na ótica da produção, refira-se que o VAB (com impostos) acabou por evidenciar um comportamento significativamente mais desfavorável do que o PIB, contraindo 2.0%, o que poderá ser explicado, pelo menos em parte, pelo facto dos dados trimestrais do 3ºT2011 terem-se revelado, pelo contrário, mais favoráveis para o VAB (-0.3% vs -0.6% no caso do PIB), mas também evidenciando um decréscimo homólogo superior (-3.2% vs -2.8%, no caso do PIB).
 

10. As quedas foram generalizadas entre os maiores setores de atividade económica, com a única exceção da agricultura (o setor que menor peso tem na economia), onde o VAB cresceu 0.2%, evidenciando já o 7º acréscimo trimestral consecutivo e colocando a atividade em níveis máximos desde o 4ºT2008. Do lado das descidas, como esperado, a construção destacou-se largamente pela negativa, e já pelo 3º trimestre consecutivo (-6.5% vs -3.2% no 3ºT2011), com a atividade no setor a encontrar-se em níveis mínimos desde pelo menos 1995. Também o VAB da indústria voltou a contrair, representando já a 3ª queda e em agravamento (-3.4% vs -1.0% no trimestre anterior), num trimestre em que não teve a “almofada” que tem sido a melhor dinâmica externa da economia. Igualmente intensa foi a queda do VAB na energia, água e saneamento, que mais do que reverteu o ligeiro acréscimo do trimestre anterior (-4.0% vs +0.3% no 3ºT2011), caindo para mínimos desde o 1ºT2006. Os serviços evidenciaram quedas menos intensas, embora como as dos subsetores do comércio, restaurantes e hotéis e dos transportes e atividades de informação e comunicação a mostrarem-se igualmente expressivas (-3.0% e -2.1%, respetivamente), contrastando com as contrações de 0.1% e 0.6% evidenciadas pelas atividades financeiras e imobiliárias e pelos outros serviços.

 

Rui Peres Jorge