A inflação em Portugal caiu em 2014 pela segunda vez em 60 anos. O preço do petróleo foi decisivo, mas não é o único factor a pesar: bens alimentares não transformados também se destacam pelas quedas, nota José Miguel Moreira, do Montepio. Filipe Garcia, da IMF, alinha na previsão de que a inflação regressará a terreno positivo em 2015, ainda que de forma ténue, e nota que os valor de 2014 (-0,3%) fica abaixo das previsões institucionais do Governo (0%), Banco de Portugal (-0,1%), Comissão Europeia (0%) e FMI (0%).
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. Inflação homóloga (IPC) diminuiu em dezembro de 0.0% para -0.4%, retomando a série de 8 meses em terreno negativo que tinha sido interrompida nos dois meses anteriores (quando a inflação foi nula) e depois de em jul-14 ter-se situado em -0.9%, num mínimo desde out-09 (-1.5%), com esta descida da inflação a ser essencialmente explicada pela classe dos transportes – refletindo as quedas nos preços dos combustíveis – e levando a inflação anual a descer dos 0.4% observados em 2013 para -0.2% em 2014, um valor que é o 2º mais baixo desde que existem registos, apenas superado pela queda de 0.9% registada em 2009, na sequência do colapso dos preços do petróleo.
2. A taxa de variação homóloga do IPC core foi de 0.3%, igual à mês anterior, permanecendo pelo 11º mês consecutivo num nível superior à do IPC geral, depois de 2 meses a apresentar um valor idêntico, estando já pela 14ª vez nos últimos 16 meses num nível superior à do IPC geral.
3. Em termos anuais, o IPC registou uma taxa de variação média de -0.3%, diminuindo face ao crescimento de 0.3% de 2013 e depois de no ano anterior já ter registado uma forte desaceleração (+2.8% em 2012). O IPC core passou de uma taxa de variação média de 0.2% em 2013 para 0.1% em 2014. Para além da desaceleração da inflação core, a redução da inflação geral entre 2013 e 2014 foi sobretudo determinada pela evolução dos preços dos produtos alimentares não transformados (passou de +2.6% em 2013 para -2.1% em 2014, sobretudo devido aos subgrupos das frutas e produtos hortícolas). Os produtos energéticos contribuíram também para a redução do IPC em 2014, registando uma taxa de variação de -1.4% em 2014 (-0.7% em 2013), sobretudo devido à diminuição dos preços dos combustíveis. Em 2014, verificou-se um crescimento médio anual mais elevado dos preços dos serviços que o observado para os preços dos bens. Com efeito, em 2014, os preços dos serviços aumentaram 0.8% (+0.7% e +3.1%, respetivamente em 2013 e 2012), enquanto os preços dos bens diminuíram 1.1% (0.0% e +2.5%, respetivamente em 2013 e 2012).
4. Os dados sobre a inflação têm continuado a confirmar as nossas perspetivas, de que as anteriores pressões sobre os preços advinham essencialmente das commodities (em concreto da energia) ou de alterações fiscais e subidas dos preços regulados, assumindo um caráter largamente temporário. A dissipação desses efeitos temporários ao longo de 2013, em conjugação com uma descida do preço médio anual do petróleo, um crescimento marginal dos preços de importação de bens não energéticos e a manutenção de uma forte moderação salarial traduziram-se numa redução da inflação (medida pela variação homóloga do IHPC) em 2013, de 2.8% para 0.4%, reduzindo-se novamente em 2014, para -0.2%, um valor que é o 2º mais baixo desde que existem registos, apenas superado pela queda de 0.9% registada em 2009, na sequência do colapso dos preços do petróleo.
5. Prevemos um regresso da inflação às acelerações em 2015, para 0.5%, devendo voltar a acelerar em 2016, para um valor em torno de 1.0%. A manutenção de pressões descendentes nos preços, internas e externas, num quadro de recuperação moderada das economias nacional e mundial, deverá determinar uma evolução moderada dos preços excluindo bens energéticos. Projeta-se um aumento dos preços desta componente ligeiramente inferior a 1.0% em 2015 e 2016. Refletindo a evolução do preço do petróleo, os preços dos bens energéticos deverão diminuir em 2015 e aumentar no final do horizonte de projeção, mantendo-se, no entanto, em níveis mais baixos do que os observados no início do horizonte de projeção. Refira-se que, em 2015, a diminuição dos preços no consumidor dos bens energéticos será mitigada por um aumento no imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, previsto na proposta de OE 2015.
6. Após um diferencial negativo de 1.0 p.p. face à Zona Euro em 2013, observou-se uma redução deste diferencial em 2014, para 0.6 p.p., com a projeção da inflação para Portugal a ter implícita uma nova ligeira redução deste diferencial em 2015. Sublinhe-se que, no contexto de uma união monetária, é de esperar que os países em ajustamento estrutural apresentem taxas de inflação inferiores à média dos restantes membros, o que implica ganhos em termos de competitividade-preço desses países.
Filipe Garcia – IMF
1. Dezembro é um mês em que normalmente a inflação mensal é positiva, pelo que a variação nula mensal do IPC reflete o impacto da queda dos preços dos produtos energéticos. Admitíamos que o impacto pudesse ser um pouco maior e que a inflação mensal fosse negativa (-0.1%) pelo que é um número que se considera dentro do esperado, mas inferior à média histórica.
2. Portugal fecha o ano com uma inflação média de -0.3%, bem abaixo das previsões institucionais e em terreno de deflação. O risco de as previsões institucionais estarem incorretas já era claro desde meados do ano, altura em que a IMF alertou para esse facto.
3. A inflação portuguesa apresentava sinais de estabilização, junto dos 0%, à entrada para o último trimestre de 2014. No entanto, a queda do preço do petróleo voltou a criar uma dinâmica de baixa dos preços, algo que deverá continuar durante pelo menos os primeiros meses de 2015. Há algum desfasamento nos efeitos e só a partir de dezembro é que os preços “na bomba” começaram a refletir em dimensão considerável a queda dos preços do petróleo. Esse efeito deverá intensificar-se na primeira metade de 2015, nomeadamente pelo impacto nos preços do gás natural para as empresas. A queda do preço do petróleo nos mercados internacionais deverá mais do que compensar os efeitos contrários da “fiscalidade verde”.
4. À medida que 2015 for avançando, e na ausência de crises, podem começar a surgir alguns sinais de força por parte do consumidor, tendo em conta a queda dos preços da energia (e dos preços em geral) e as medidas adicionais que o BCE vier a implementar. A transferência de riqueza de produtores para consumidores de petróleo poderá levar a um aumento no consumo.
5. Portanto, na ausência de choques, 2015 será mais um ano de inflação muito baixa, com a necessidade de revisão em baixa das previsões das instituições nacionais e internacionais (o Bdp prevê atualmente 1.0% média).
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