So I, pull over to the side of the road, I heard
“Son do you know why I’m stopping you for”
Cause I’m young and I’m black and my hat’s real low
Do I look like a mind reader sir, I don’t know
Am I under arrest or should I guess some more?
“Well you was doing fifty-five in a fifty-four
License and registration and step out of the car
Are you carrying a weapon on you? I know a lot of you are”
O verso é de “99 Problems”, uma das músicas mais conhecidas do rapper Jay-Z. É com ele que arranca o post porque sempre quis começar um texto com uma letra de Jay-Z o que estamos a observar em Ferguson, Missouri, não é um acontecimento isolado ou fortuito. É, isso sim, a explosão de décadas de desigualdades e tensão acumulada.
Descontando que Jay-Z vendia mesmo crack e que parte do que relata não deverá ser verdade ou está embelezado para parecer mais cool, a actuação desproporcional da polícia está longe de ser rara para outros afro-americanos. Na música, é descrito precisamente aquilo que muitos residentes de Ferguson se queixam e que terá levado à morte de Michael Brown: discriminação racial da polícia contra norte-americanos negros.
Segundo os censos de 2010, 67% dos habitantes de Ferguson são negros e 29% são brancos. No entanto, esta proporção não se reflecte nas instituições da cidade. O mayor é branco, cinco dos seis membros do Executivo da Câmara são brancos, assim como seis dos sete membros do conselho executivo da escola. Apenas três dos 53 polícias de Ferguson são negros.
Segundo um relatório da Procuradoria-geral do Missouri, entre as 5.384 “operações stop” realizadas em 2013, 86% mandou parar carros com condutores pretos e apenas 12,7% brancos, apesar de, como já referi, quase 30% da população ser caucasiana.
O mesmo relatório concluía que é muito mais provável a polícia revistar um negro inocente do que um branco inocente: 21,7% dos afro-americanos revistados estavam na posse de algo ilícito, uma percentagem que sobe para os 34% no caso de “suspeitos” brancos. Esta diferença significa que as suspeitas dos agentes estão directamente ligados à cor de pele da pessoa em causa. Em Ferguson, 92,7% dos cidadãos detidos em 2013 eram negros (99 problems!).
Até ao final da década de 40, os negros não podiam viver em grande parte das zonas suburbanas do condado de St. Louis, do qual Ferguson faz parte, o que aumentou os níveis de tensão e pobreza no centro da cidade de St. Louis (com o mesmo nome do condado). Nos anos 70, os residentes afro-americanos começaram a deslocar-se para subúrbios como Ferguson, onde podiam ser construídos apartamentos e não apenas casas grandes de uma só família. À medida que mais pretos chegavam, os brancos foram abandonando cidades como Ferguson. Em 1980, 85% dos habitantes da cidade eram caucasianos, hoje essa percentagem caiu para 29%.
Escrevia o NYT no seu editorial há dez dias:
“Não é preciso uma investigação federal para perceber a história de segregação racial, desigualdade económica e forças policiais autoritárias que provocaram grande parte da tensão agora evidente nas ruas. St. Louis [condado a que pertence Ferguson] é há muito tempo uma das áreas metropolitanas mais segregadas e continua a existir um muro alto entre residentes negros – que na sua grande maioria têm rendimentos baixos – e a estrutura de poder branca, que domina o Executivo da Câmara Municipal e os departamentos de polícia como aquele que existe em Ferguson.”
A divisão não está apenas no tratamento dado pela polícia ou na distribuição geográfica. Existe um fosso económico profundo entre brancos e negros nos EUA. O blog “Zero Hedge” apresentava há dias 10 dados que ajudam a ilustrar as diferenças raciais que atravessam um País onde há menos de 50 anos crianças pretas e brancas eram obrigadas a sentarem-se em escolas diferentes em algumas cidades.
Em Julho, a taxa de desemprego de trabalhadores brancos era 5,3%. Para os negros era 11,4%. A taxa de subemprego é também quase duas vezes superior se a sua cor de pele for mais escura (11,8% vs 20,5%). Segundo os dados citados pela CNN, um agregado familiar branco tem, em média, 22 vezes mais riqueza que uma família afro-americana. Apesar de 12% das famílias norte-americanas serem negras, elas representam 26,4% do universo de beneficiários do programa de ajuda alimentar.
E o fosso racial tem continuado a alargar-se. Entre 1967 e 2011, a diferença da mediana de rendimento entre uma família branca e negra cresceu de 19 para 27 mil dólares, conclui a Pew Research. O mesmo relatório da Pew mostra que desde os anos 60 a diferença entre negros e brancos abaixo do limiar da pobreza praticamente não se alterou. Onde as diferenças diminuíram foi na esperança média e vida e na participação eleitoral (em 2012, houve uma maior percentagem de negros do que brancos a votar nas eleições presidenciais).
Quantas crianças brancas vivem em zonas com taxas de pobreza elevadas? 12%. E se forem filhas de pais pretos? 45%. Enquanto 19,9% das crianças caucasianas vive apenas com um dos pais, essa percentagem dispara para 52,1% para as afro-americanas. 82% dos brancos termina o liceu vs. 63,5% dos negros.
Por último – e com isto regressamos às ruas de Ferguson – a percentagem de negros encarcerados é seis vezes maior que de brancos.
O que têm os conflitos de Ferguson a ver com raça? Sabemos que Michael Brown tinha 18 anos, que estava desarmado e que era negro. Sabemos que Darren Wilson, o polícia de 28 anos que o matou, atingiu Brown seis vezes – duas na cabeça – e sabemos que Wilson é branco.
Dorion Johnson, amigo de Michael Brown, contou à MSNBC que Wilson tentou imobilizar Brown depois de este ter desobedecido. O jovem tentou libertar-se e Wilson tirou a arma e disparou. Johnson conta que Brown tentou fugir, mas foi atingido por outro tiro. Já no chão, levantou as mãos e pediu para o polícia parar, mas mais tiros foram disparados.
Os protestos e o uso excessivo de força pela polícia que se seguiram – utilização de gás lacrimogéneo, balas de borracha e detenções de jornalistas – têm feito os norte-americanos recuar até 1992, em Los Angeles, quando a absolvição de quatro polícias pelo espancamento (filmado) de um taxista negro – Rodney King – causou uma onda de indignação e violência que resultou na morte de 53 pessoas. Outros têm apontado que as tácticas aplicadas pela polícia de Ferguson replicam aquelas que foram utilizadas durante os confrontos que acompanharam o movimento de direitos civis dos anos 60, liderado por Martin Luther King e Malcom X.
A morte de Michael Brown vem juntar-se a outro caso relativamente recente: o homicídio de Trayvon Martin, um jovem negro de 17 anos, que também estava desarmado. Na altura, Barack Obama disse que “se tivesse um filho, ele seria parecido com Trayvon”. Mas o Presidente dos EUA não mora em Ferguson.
Começámos o post com Jay-Z. Acabemos com Kanye West, desta vez sobre o furacão Katrina, uma tragédia que representou talvez o principal momento de discussão sobre discriminação racial nos EUA desde 1992. E, claro, antes de Ferguson.
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What u write, is not necessarily the truth, although I agree that some parts in your text are accurate. You mention Jay z, a cracked dealer at young age, like everything that he writes is a Magna Carta, it is not, and in a few words , if you allowed me, I am going to try to explain to you where part of the problem is.When a white police officer kills a young unarmed black teenager, is the end of the world, that should never happen, but for the media is rain in the desert, is a script that they were dying for.When a black police officer kills an unarmed white teenager, that’s no news, that also should never happen, but who cares? One day Bill Crosby, one of the most influential black man that I know, said and I quote :The black people should stop victimize themselves. I agree there is a racial problem in the States, but not as big as they put it, there’s is discrimination, yes but not as they say .My advice is very simple, if a police officer tells you to stop, you should stop and follow what they say, do not try to became a hero, if u feel mistreated go to a court of law, and I guarantee that justice will be served.
I wrote this in English, because my tablet do not have the capability to do it in portuguese.
Um abraco.
Caro José Gomes,
Muito obrigado pelo seu comentário.
Essa hipocrisia que aponta a Jay-Z é referida logo no início post. Tem razão, ele vendia mesmo crack, o que não lhe dá grande autoridade para criticar as suspeitas da polícia.
Em relação ao seu argumento geral de que as situações de discriminação são empoladas pelos media, parece-me que existem alguns factos que contrariam essa ideia. Claro que os media – principalmente com os canais noticiosos 24h/dia – entram muitas vezes num efeito bola de neve e elevam temas banais a “assuntos nacionais”. Mas não acho que tenha sido isso que aconteceu em Ferguson. O facto de a estrutura de poder executivo e legal da cidade ser tão desequilibrada deixa os cidadãos negros claramente sub-representados. Existem inúmeras estatísticas que concluem, por exemplo, que os negros são muito mais vezes mandados parar e revistar, mas têm muito menos vezes drogas em sua posse. Como este, existem vários exemplos de que ter uma cor de pele diferente influencia a forma como a sociedade o vê.
Existem de certeza situações de discriminação contra brancos, mas as relações de poder são claramente assimétricas. Em média, nos EUA, uma criança negra enfrenta uma escalada social muito maior do que uma criança branca.
Deixo-lhe um vídeo precisamente sobre este tema, com a opinião de duas pessoas com opiniões muito distintas, mas que conseguem chegar a terreno comum.
http://thedailyshow.cc.com/videos/trzku7/exclusive—bill-o-reilly-extended-interview
Mais uma vez obrigado pelo seu comentário. Continue a participar.
Um abraço,
Nuno Aguiar
O uso repetido do termo “preto” parece-me completamente injustificado.
Mais tento naquilo que se escreve, por favor!…
Caro Bruno Silva,
Obrigado pelo seu comentário. O termo “preto” não é, de modo algum, utilizado de forma depreciativa. O próprio teor do post é de crítica em relação a repetidas situações de discriminação racial. Não vejo diferenças entre a utilização do termo “preto” ou “negro”. Espero que nos continue a ler.
Os melhores cumprimentos,
Nuno Aguiar