Devolver rendimentos? Centeno garante braço de ferro com Bruxelas

14/09/2016
Colocado por: Rui Peres Jorge

braço de ferro

 

Qual a importância para a retoma da reposição de rendimentos? É essencial, diz o Governo e os partidos que o suportam; é uma preocupante ameaça e possível porta para um segundo resgate, contrapõem os cépticos, entre os quais se encontram as instituições europeias e a oposição. Esta será talvez a principal dimensão pelo qual o Orçamento do Estado para o próximo ano será avaliado e o ministro das Finanças deixou esta semana uma garantia: a estratégia iniciada em 2016 funciona e vai continuar. O debate vai aquecer.

 

(Adenda: A julgar pela avaliação entretanto divulgada do Conselho das Finanças Públicas às políticas do Governo – um cartão vermelho de que damos conta no Negócios –, o braço de ferro será travado também por cá)

 

 

Num novo contexto europeu em que a pressão para rápidas consolidações orçamentais aliviou, a reversão de reformas e em particular a reposição de rendimentos está no centro do debate sobre a melhor estratégia de crescimento para o país, assumindo-se como a principal linha de divisão entre Lisboa de Bruxelas.

 

Isso mesmo foi evidenciado por João Leão, o secretário de Estado do Orçamento em entrevista ao Negócios, em Julho.

 

É importante referir que, apesar da desconfiança referida [em relação às contas públicas], a Comissão espera que Portugal consiga sair pela primeira vez do PDE e aponta para um défice de 2,7%, claramente abaixo dos 3% do PIB. Em segundo lugar, a Comissão diz que até Maio a execução está globalmente em linha com os objectivos. É verdade que tem mostrado alguma divergência em relação à devolução de rendimentos, mas este Governo sempre se comprometeu a fazê-lo num quadro compatível com a redução do défice.

 

O cepticismo das instituições europeias ficou bem evidente nas declarações de Klaus Regling, também de Julho, nas quais o presidente do Fundo de Resgate da Zona Euro afirmou ao mundo que o único país que o preocupava era Portugal porque….

 

O Governo está a reverter as reformas. Portugal está outra vez a tornar-se menos competitivo em resultado disso.

 

Aumentos de salário mínimo, aumentos de pensões e outros apoios sociais (com impactos negativos as contas públicas) e aumentos salariais no Estado (com impactos negativos nas contas públicas, mas contribuindo também para aumentos salariais no sector privado) ocupam lugares cimeiros na mente dos críticos e cépticos. São políticas que atrasam a consolidação orçamental e, mais importante a médio prazo, que prejudicam a competitividade salarial de Portugal – que esteve no centro da estratégia de desvalorização interna da troika e do anterior governo.

 

Se ao cepticismo quanto à estratégia se juntar o desempenho desapontante da economia este ano, obtêm-se bons ingredientes para ataques e pressões sobre o executivo e as suas políticas. Não faltaram exemplos na última semana (e o mais recente, chegou do Conselho das Finanças Públicas, que admite um resultado orçamental em linha ou até melhor que o recomendado por Bruxelas, mas chumba a estratégia que considera insustentável)

 

O governo socialista está mais inclinado para medidas anti-austeridade que agradam às massas do que para reformas profundas

Tony Barber, Financial Times

Sempre soube que o modelo do PS ia falhar. Nunca pensei que fosse tão rápido

Pedro Passos Coelho, jornal i

Estamos preocupados

Adriana Alvarado, DBRS, Expresso

Penso que infelizmente é bastante claro que a [estratégia de crescimento do Governo] não funcionou

Teodora Cardoso, Conselho das Finanças Públicas, Negócios

 

As críticas não têm aderência à forma como o Executivo lê a realidade económica. Isso ficou evidente na última visita de Mário Centeno ao Parlamento, na qual levantou o véu sobre a estratégia que está a desenhar para 2017. A devolução de rendimento é para continuar e é fundamental para o reforço do investimento e para libertar o potencial de crescimento da economia; essa estratégia será principalmente financiada por um alívio da tributação directa (compensada por aumento da tributação indirecta de forma a permitir uma redução do défice) e por poupanças na despesa pública que permitirão a redução da carga fiscal; e a retoma da economia, embora atrasada, está a caminho. Estas foram as três mensagens centrais de Centeno evidenciada numa selecção das suas declarações:

 

Estratégia é para continuar

 

O orçamento do Estado deve apontar para a dimensão do rendimento de famílias e empresas de forma a permitir que famílias e empresas invistam na sua capacidade de gerar rendimento

 

É importante entender que este esforço de recuperação de uma economia que estava em desaceleração é um efeito continuado, que leva tempo, mas que não pode ser alterado

 

Carga fiscal baixa, com indirectos a subir

 

O que lhe posso dizer é que um principio da acção governativa é a evolução da carga fiscal e as alterações fiscais terão o mesmo padrão do orçamento de 2016.

 

Uma forma de recuperar rendimento é reduzir o nível de impostos directos. Esse balanceamento de impostos directos versus impostos indirectos vai continuar.

 

Retoma está na calha

 

Está a levar mais tempo a recuperar do que era esperado. [em parte por uma] desaceleração da procura externa que se reflecte no investimento

 

A relação entre a actividade económica e mercado de trabalho há-de estar a vigorar na economia portuguesa e tenho confiança que [a recuperação em curso no mercado de trabalho] revela a sustentabilidade [da retoma]

 

Todos os indicadores de confiança estão melhores.

 

Isto são os sinais da recuperação económica que temos vindo a observar. São acompanhados de uma melhoria do saldo da balança comercial

 

A divergência entre as perspectivas do Governo e a dos seus críticos é grande. No final serão os resultados na frente orçamental e económica que irão ajuizar as escolhas que estão a ser feitas. Mesmo sem segundo resgate, se o défice derrapar, os excedentes externos aparecerem e o crescimento tardar, a política de devolução de rendimentos terá muito provavelmente os dias contados, e com ela a própria coligação governamental. Por agora, sabemos que é demasiado cedo para tirar grandes conclusões sólidas e que a experiência vai continuar.

 

(Nota: Texto actualizado na quinta-feira, dia 15, com a posição do Conselho das Finanças Públicas)

 

Rui Peres Jorge