A desigualdade pode não ter criado a Grande Recessão, mas pavimentou o terreno para que ela surgisse em 2007 e mergulhasse a economia mundial numa recessão prolongada. A teoria é de Michael Kumhof, o deputy director da modeling division do Departamento de Investigação do FMI, e Romain Ranciére, professor associado da Universidade de Paris e investigador do CEPR, que publicaram o 'paper' Inequality, Leverage and Crises. O estudo foi publicado em Novembro de 2010 mas os autores apresentaram recentemente uma versão resumida do estudo no site Vox.
O 'paper' liga dois campos de investigação tradicionalmente analisados de forma separada: o sistema financeiro e rendimentos. Mais concretamente, Kumhof e Raciére estudam o impacto que a alteração no padrão de distribuição de rendimentos tem, ou pode ter, na estabilidade do sistema bancário, e o papel que aquele pode ter na acumulação de desequilíbrios que conduzirão, mais tarde, a crises financeiras.
Os autores partem dos dados que reproduzimos em baixo. Historicamente, o crescimento da desigualdade nos Estados Unidos está altamente correlacionado com o aumento do endividamento das famílias. O que pode ser traduzido da seguinte forma: quando os rendimentos no “topo” aumentam mais do que os rendimentos da “base”, as tendências de consumo variam de forma menos brusca devido ao aumento do endividamento na parte de baixo da pirâmide. A suavização é feita através do crédito.
De seguida, os autores utilizam um modelo de equilíbrio geral (os famosos DGSE) para modelizar vários consumidores, sujeitos a várias restrições e com rendimentos muito diferentes. O modelo é posteriormente utilizado para simular um choque exógeno – o aumento da desigualdade de rendimentos na população – e seguir, passo a passo, as transfermações que esse choque desencadeia na economia. Uma curiosidade: Kumhof é um dos criadores do Global Integrated Monetary and Fiscal Model – GIMF, o modelo usado pelo FMI nas suas simulações macroeconómicas.
Algumas simulações (e muitos cálculos depois), os autores chegam às seguintes conclusões: 1) um aumento da dispersão de rendimentos na população não é acompanhado por uma idêntica dispersão do consumo; porque: 2) na expectativa de que o choque seja transitório, a base da pirâmide pede empréstimos ao “topo” da pirâmide para suavizar a alteração do padrão de consumo relativo, tal como se confirma empiricamente; 3) no “topo” da pirâmide, por outro lado, o crescimento do rendimento gera um excedente que tenderá a ser, pelo menos parcialmente, aplicado nos mercados financeiros e reciclado através do sistema bancário, como empréstimos; 4) estas tensões aumentam e, com o tempo, originam um fardo de dívida sujeito a um “boom” súbito, causando uma crise financeira.
O modelo simula uma economia fechada, com transacção de bens e activos financeiros, mas os autores estão a analisar as implicações da utilização de um modelo de economica aberta, onde os fundos podem ser reciclados “lá fora” e os fundos estrangeiros podem ser reciclados “cá dentro”. A amplicação do modelo prevê que países com mais desigualdade gerem elevados défices na balança de transacções correntes, fornecendo uma boa explicação para os agora chamados “desequilíbrios globais”. Em baixo, colocamos alguma evidência empírica retirada do working paper.
Em entrevista ao Negócios, publicada hoje, Kumhof falou acerca das implicações da sua investigação. Entre elas (nem todas transcritas no excerto 'linkado') estão: a possibilidade de ver a desigualdade como uma externalidade que exige correcção pública – por exemplo, taxando os empréstimos considerados arriscados – a necessidade de se deixar de considerar que há um trade-off entre eficiência e equidade e, sobretudo, a importância de se investigar um tema que, na opinião do autor, tem sido arredado dos debates académicos.
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