O défice externo está em forte correcção. Gonçalo Pascoal, do Millennium bcp, explica as dinâmicas das importações e exportações e defende que a correcção em curso, apesar de dolorosa do ponto de vista interno, é essencial para reequilibrar a economia. José Miguel Moreira, do Montepio, antecipa um contributo positivo do sector externo para o crescimento do terceiro trimestre.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. A Balança Comercial registou, em Agosto, um Défice de 1 207 milhões de euros (M€), valor que representa uma degradação face aos 1 094 M€ do mês anterior e que resultou de fortes decréscimos tanto das Exportações, como das Importações, mas bastante mais intenso nas primeiras.
2. Note-se, no entanto, que estes dados do Comércio Internacional são bastante afectados pela sazonalidade, particularmente no mês de Agosto, sendo que, quando descontados desse efeito (cálculos do Departamento de Estudos do Montepio), revelam uma considerável redução do Défice Comercial (-24.2% vs +10.3%, quando não ajustados), não conseguindo anular a acentuada degradação do mês anterior, mas representando o 2º Défice Comercial de Bens mais baixo desde Dezembro de 2003. Acresce que esta melhoria de saldo esteve associada a um robusto acréscimos das Exportações (+8.7%), que as catapultaram para níveis máximos históricos, ao passo que as Importações observaram uma ligeira correcção.
3. Resultado deste comportamento mensal favorável, em termos trimestrais (ainda com o registo de Setembro em falta), estes dados encontram-se a sugerir um desagravamento do Défice da Balança Comercial de Bens a Preços Correntes e um contributo positivo para o crescimento do PIB no 3ºT2011. Trata-se de um resultado que poderá ver-se parcialmente anulado em termos reais (atendendo ao desagravamento dos preços das Importações observado no mês em análise, designadamente ao nível dos bens energéticos), mas com as Exportações Líquidas de Bens e Serviços a deverem terminar o trimestre a evidenciar um contributo positivo, de acordo com as indicações dadas actualmente pelos nossos indicadores compósitos.
4. De resto, a economia deverá continuar a ser essencialmente impulsionada pelo Mercado Externo, num contexto de uma Procura Interna bastante deprimida.
Gonçalo Pascoal – Gabinete de Estudos Económicos do Millennium bcp
1. As estatísticas do comércio internacional relativas a Agosto apresentam-se ainda muito favoráveis ao objectivo e necessidade de Portugal reduzir o seu défice externo. As exportações em termos nominais cresceram a um ritmo robusto (aprox. 14%), e as importações denotaram uma contracção significativa, em resultado do ajustamento em curso da procura interna e de um quadro de preços da energia mais favoráveis (o peso da energia no défice poderá ter descido quase 0.3 p.p. do PIB entre o segundo e terceiro trimestres).
2. A taxa de cobertura (exportações/importações) na balança comercial de quase 76% é uma situação relativamente incomum para a economia portuguesa – retornando-se a valores de meados dos anos 90 – mas reveladora da alteração de regime em curso. O contributo da procura externa para o crescimento do PIB (para mitigar os efeitos da recessão intensa na procura interna) permanece elevado, em cerca de 4.5 p.p. em termos médios.
3. Com elevada probabilidade, as estatísticas do comércio internacional tenderão a exibir um comportamento menos favorável nos próximos meses, tendo em conta a inversão significativa e súbita na actividade económica dos principais mercados de destino das exportações portuguesas. Não obstante, a correcção do grave e incomportável défice externo está em curso e com algum significado no presente ano (uma redução para quase cerca de metade no défice comercial face ao ano transacto).
4. Esta correcção é central para o objectivo da redução do endividamento do país, pelo que esta evolução é incontornável e positiva, mesmo que implicando uma recessão fortíssima da despesa interna. Tendo em conta o peso do serviço da dívida do país, que todos os anos consome entre 5 a 6% do PIB, para se conseguir uma situação de virtual estancamento do nível de endividamento do país, e desejavelmente a sua redução a médio prazo, a evolução deste ano no saldo comercial tem de se prolongar nos próximos anos, atingindo e estabilizando num ligeiro excedente na balança comercial.
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