Portugal cumpriu a meta orçamental acordada com a troika para 2012. José Miguel Moreira, do Montepio, diz que os resultados da execução orçamental de 2012 em contabilidade pública são positivos mas teme que em contabilidade nacional (a que conta para Bruxelas) os resultados possam vir a ser piores. Paula Carvalho, do BPI, avisa: “Portugal cumpre meta do défice…mas vários desafios subsistem”. Desde logo, o regresso ao crescimento.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. Dados provisórios da execução orçamental em 2012 mostram-se animadores, mas com os dados finais na ótica da contabilidade nacional a poderem acabar por revelar uma ligeira derrapagem orçamental no ano, mesmo com o recurso a medidas “one-off”.
2. O saldo conjunto da execução orçamental da Administração Central e da Segurança Social, na ótica da contabilidade pública, foi de -7 385.9 milhões de euros (M€) em 2012, segundo os dados divulgados pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO), em desagravamento face ao saldo de -7 778.5 M€ registado até novembro. Este valor compara também favoravelmente com um saldo de 8 127.9 M€ no âmbito da estimativa para 2012 elaborada para efeitos do Orçamento de Estado para 2013 (OE-2013), resultado influenciado sobretudo por um desvio favorável na despesa de 1 622.2 M€, já que a execução da receita se situou 880.2 M€ abaixo do previsto. Por seu lado, o saldo provisório das Administrações Públicas relevante para efeitos de aferição do cumprimento do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) ascendeu a -8 328.8 M€, igualmente inferior ao limite estabelecido (-9 028 M€).
3. Estes dados finais da execução orçamental em 2012 acabam, assim, por superar os objetivos estabelecidos para as contas na ótica da contabilidade pública, com o défice nesta ótica a representar cerca de 5.0% do PIB, abaixo dos cerca de 5.4% que seriam registados caso se atingisse o referido limite de 9 028 M€ estabelecido no PAEF. Refira-se, contudo, que este valor poderá subir em virtude da inclusão de outras entidades públicas que não fazem parte do perímetro de consolidação dos dados da DGO. Note-se, ademais, que só com o desvio observado durante os 3 primeiros trimestres do ano entre os dados do défice orçamental, na ótica da contabilidade nacional, e o objetivo para os dados da DGO, num total de cerca de 0.6% do PIB, estes números já iriam apontar para um défice em torno dos 5.6% do PIB.
4. Existe, assim, a possibilidade do défice orçamental, na ótica da contabilidade nacional, revelar-se superior ao avançado pelo Governo (Proposta de OE 2013, publicada em 15 de outubro), em que era apontado um défice orçamental em 2012 em torno dos 6.0% do PIB, que passaria segundo o executivo para a meta do PAEF de 5.0% em resultado das medidas extraordinárias, já consideradas nos dados da execução orçamental da DGO. Note-se, ademais, que estas medidas extraordinárias – em concreto o encaixe financeiro resultante da privatização da ANA aeroportos, cuja parte afeta à redução do défice ascendeu, segundo a DGO, a 800 M€ – está ainda dependente da avaliação que a Comissão Europeia (CE) fizer sobre a sua efetividade para efeitos de consolidação orçamental. Ou seja, mesmo com o recurso a medidas “one-off”, poderá ter-se assistido a uma ligeira derrapagem orçamental em 2012.
5. Uma derrapagem que tem sido essencialmente provocada pela fraca receita fiscal, resultante de Portugal enfrentar uma recessão que, fruto das fortes medidas de austeridade anteriormente adotadas, assumiu um perfil distinto do que a troika e o Governo previam aquando da elaboração do memorando em 2011, com as exportações a evidenciarem um comportamento acima do esperado, mas com a recessão a revelar-se mais profunda ao nível do consumo privado, o que teve necessariamente como contrapartida uma menor arrecadação fiscal ao nível dos impostos sobre o consumo.
6. Para 2013, recorde-se que o Governo aponta na Proposta de OE 2013 o cumprimento da meta imposta pela troika de 4.5%. Objetivo que, atendendo à análise já efetuada pelo Montepio às medidas de consolidação orçamental contempladas na referida proposta de OE 2013 (assentes, essencialmente, num enorme agravamento da carga fiscal), nos parece estar em risco, encontrando-se desvios suficientes para provocarem uma derrapagem orçamental que poderá variar entre 0.5 e 1.3 p.p. do PIB (tendo por base o nosso cenário central de queda da atividade económica de -2.0%, bem superior à admitida pelo Governo, de -1.0%). Uma derrapagem que, admitindo a ausência de medidas orçamentais corretivas ao longo do ano, bem como de surpresas macroeconómicas suficientemente favoráveis – mesmo a nível externo, o panorama permanece muito incerto e pouco suscetível de motivar um impulso suficientemente favorável para inverter a curto-prazo o atual curso recessivo da economia nacional –, poderá levar assim o país a chegar ao final do ano com um défice orçamental entre 5% e 5.8% do PIB. A própria troika veio admitir, no âmbito da 6ª avaliação à execução do PAEF, que os riscos para atingir a meta do défice orçamental para 2013 são elevados, referindo como ameaças a possibilidade da economia e do consumo interno caírem mais que o esperado, afetando, naturalmente, as receitas fiscais e a despesa social.
Paula Carvalho – Departamento de Estudos do BPI
1. É positivo que Portugal tenha conseguido cumprir a meta do défice em 2012, 5% do PIB, nomeadamente pelo impacto positivo que tem sobre a confiança, interna e externamente. No entanto, deve recordar-se que os esforços têm de continuar, sobretudo no que diz respeito à contenção da despesa de uma forma estrutural. O défice sem medidas não recorrentes terá ficado em torno de 6%, pelo que o ponto de partida para a consolidação de 2013 é este, significando maior esforço que o implícito nos 5%.
2. Por outro lado, alguns dos resultados alcançados pelo lado da despesa serão parcialmente revertidos em 2012 – nomeadamente ao nível das despesas com pessoal; e a evolução das prestações sociais suscita também alguma preocupação, designadamente no que concerne às Pensões pois praticamente estabilizaram em 2012 (mesmo excluindo os novos pensionistas bancários) e ficaram 3% acima dos valores de 2010 apesar da redução de duas prestações mensais. Estes são alguns sinais que reforçam a noção de que as alterações estruturais têm de prosseguir a bem da sustentabilidade das finanças públicas. Recordam também o imperativo da necessidade de regresso ao crescimento económico como forma de reavivar as receitas do Estado.
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