Cortes nas pensões: imposto abusivo ou contributo solidário?

21/12/2012
Colocado por: Elisabete Miranda

 

 

Créditos: Miguel Baltazar/Negócios

 

Não será exagero afirmar que a contribuição especial de solidariedade (CES) exigida aos pensionistas será a questão de maior melindre que os juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional terão de analisar.

 

A prova disso mesmo está no empenho que o Governo tem vindo a colocar na clarificação da sua natureza e impacto, entrando mesmo em despiques argumentativos com figuras públicas como o ex-ministro da Segurança Social, Bagão Félix.

 

A preocupação (em claro contraste com a displicência demonstrada no Orçamento para 2012) compreende-se: o que for decidido pelo TC será fulcral para a solução que venha a ser adoptada de forma estrutural de 2014 em diante, no âmbito das pensões de reforma.

 

Além do artigo de opinião no “Público” do Secretário de Estado da Administração Pública, e de duas intervenções de Pedro Passos Coelho sobre o assunto, chegou às redacções um documento sustentando tecnicamente a argumentação do Governo em defesa da constitucionalidade dos cortes nas pensões.

 

 

A) Contribuição para a Segurança Social?

Um dos elementos centrais nesta discussão, para efeitos constitucionais, será o de saber se a CES configura uma contribuição ou um imposto. No referido documento, a que o Negócios também teve acesso, o Governo sustenta que trata-se de uma contribuição.

 

Argumenta a favor desta tese que 1) a CES está equiparada a uma contribuição para a Segurança Social para efeitos do IRS, pelo que será expurgada ao rendimento bruto dos pensionistas para efeitos de cálculo do imposto e da sobretaxa; 2) a CES reverte para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações, as entidades que gerem as finanças dos respectivos sistemas de segurança social.

 

Entendimento diferente tem Bagão Félix, por exemplo, que considera que se está perante um verdadeiro imposto. Trata-se de uma prestação exigida coercivamente e que não fornece qualquer contrapartida pelo seu pagamento (ao contrário do que se exige numa contribuição ou taxa). Sendo um imposto pessoal sobre o rendimento, a CES tem de obedecer aos princípios constitucionais exigidos a estes tributos, nomeadamente ser progressivo, atender à capacidade contributiva de quem o paga e ser proporcional. 

 

No argumento de Bagão Félix, trata-se, no fundo, de assimilar para a CES o conceito que algumas vozes (entre as quais Cavaco Silva) advogaram para os cortes salariais no Estado (mas que não foi validada pelo TC quando apreciou a Constitucionalidade do OE/2012).

 

 

B) o que é uma pensão alta?

 

A reduzida abrangência da CES é outro argumento para sustentar a ideia de que se trata de um contributo pedido a uma minoria de pensionistas, com reformas mais elevadas, para que estes ajudem a pagar as reformas mais baixas.

 

Segundo o documento interno do Governo, dos 2.797.678 pensionistas pagos pelo Centro Nacional de Pensões (Segurança Social), apenas 2,8% suportará a CES; e dos 587.962 aposentados da Caixa Geral de Aposentações (Estado), pagarão esta taxa 33,2%. Feitas as contas ao conjunto, a CES será suportada por 8,1% do universo de pensionistas em Portugal.

 

Em termos relativos, o Governo tem razão. Contudo, em termos absolutos o argumento é discutível. Há que notar que, embora estejam acima do valor médio das pensões atribuídas em Portugal, os cortes começam em níveis remuneratórios que estão longe de poderem considerar-se principescos: 1.350 euros brutos. A avaliação reconduz-nos sempre à mesma constatação: fruto dos baixíssimos níveis salariais no País, e de curtas carreiras contributivas, alguém com 1.350 euros está longe de ser rico, mas já está acima da média de rendimentos do País.

 

 

C) Confisco ou reposição de igualdade?

Quando nos lançamos nas contas, a polémica cresce. A CES começa por levar 3,5%  a pensões entre 1.350 e 1.800 euros e vai crescendo à medida que o valor da reforma sobe.

 

Diz o Orçamento do Estado para 2013 que, ao conjunto das pensões recebidas por um titular, subtraem-se:

 

– 3,5 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre € 1 350 e € 1 800;

 

– 3,5 % sobre o valor de € 1 800 e 16 % sobre o remanescente das pensões de valor mensal entre € 1 800,01 e € 3 750, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %;

 

–  10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a € 3 750.

 

Quando as pensões tenham valor superior a € 3 750 são aplicadas, em acumulação com os 10%, as seguintes percentagens:

 

– 15 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS (419,22 euros) mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor;

 

– 40 % sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.

 

Destas fórmulas resulta que:

 

Fonte: Negócios, a partir do Orçamento do Estado

 

Como se pode ver dos cálculos, quem tenha uma pensão de 10.000 euros por mês sofre um corte à cabeça, só por via da CES, de 27% do seu rendimento. A isto há que somar ainda a perda de 90% do subsídio de férias e do IRS, que para rendimentos mais elevados será muito pesado.

 

Embora a Constituição não defina em lado algum o que é um imposto ou uma taxa confiscatória, nalguns casos, estaremos próximo do que se poderá considerar níveis expropriatórios de rendimento. Vejamos alguns exemplos a partir das simulações do próprio Governo.

Simulações que consideram a situação de um pensionista, solteiro // Dados a partir de 13 meses de pensão Fonte: Governo

 

A partir dos 100 mil euros brutos de pensão mensal (7.700 euros brutos, sensivelmente, para 13 meses de pensão) Fisco e CES já ceifam mais de 50% do rendimento. Quem ganhar 250.000 euros anuais, ficará com 34% do seu rendimento, apenas, uma percentagem que vai encolhendo à medida que a pensão aumenta.

 

 

D) Mais prejudicados que os trabalhadores?

 

Outra frente de polémica abre-se quando nos lançamos na comparação entre a violência da carga fiscal nos pensionistas e nos trabalhadores.

 

Bagão Félix tem dito e escrito que, a partir dos 1.350 euros por mês, um pensionista levará um rendimento líquido para casa inferior ao salário líquido de um trabalhador.

 

Contudo, quando faz as contas, não inclui nelas a taxa social única de 11% descontada por um trabalhador no activo: por considerar que a CES não é uma contribuição para a Segurança Social, defende que ela é distinta da TSU, não se devendo misturar ambas nos cálculos.

 

O Governo faz as contas, mas inclui os descontos para a TSU na aferição no salário líquido de um trabalhador. Esta mesma metodologia foi recomendada ao Negócios pela FSO Consultores, que esta semana nos cedeu os seus cálculos.

 

As conclusões, seguindo a metodologia explicitada, não corroboram a conclusão de que a generalidade dos pensionistas são mais prejudicados do que um trabalhador.

 

                    

Fonte: Governo

 

Apenas a partir dos 70 mil euros de pensão por ano é que um reformado paga mais impostos e contribuições do que um trabalhador. Mas, lá está, tudo depende de rquiparar-se a CES a uma contribuição para a Segurança Social, ou não.

 

Nas contas que apresentámos no início desta semana, a partir de simulações da FSO consultores (e com resultados diferentes dos do Governo), nós considerámos que sim, que deviam ser levados em conta. Os nossos argumentos estão sistematizados na resposta à posição de Bagão Félix, expressa em nota num artigo de opinião.

E) Há pensões ilegítimas?

Outro argumento em cima da mesa, lançado pelo Governo, é o da legitimidade de algumas pensões que estão a ser atribuídas. Pedro Passos Coelho repetiu esta semana que a “grande maioria das pensões que muitos portugueses auferem do lado da Caixa Geral de Aposentações mas também da Segurança Social, sobretudo pensões mais elevadas, não tiveram em conta todos os rendimentos que foram auferidos, como normalmente se tem num sistema de capitalização”.

 

A constatação, só por si, é verdadeira. De facto, as pensões de reforma que vieram sendo atribuídas não foram calculadas com base nos descontos completos dos pensionistas (enquanto eram trabalhadores). Foram calculadas com base nos melhores dez dos últimos 15 anos de trabalho ou até com base no último salário.

 

Pensões há, como as subvenções políticas (atribuídas a quem cumpriu 8 anos no Parlamento) ou as reformas meteóricas atribuídas pelo Banco de Portugal, que têm uma base de contributividade ainda mais questionável. Em poucos anos de descontos formaram-se generosos direitos perenes sem que houvesse descontos para tal.

 

Os contra-argumentos que têm sido esgrimidos para estas constatações são vários, e difíceis de rebater 1) As pensões de reforma foram atribuídas à luz da lei vigente, não podendo o Governo culpar os pensionistas pelo sucedido e muito menos cortar direitos de forma retroactiva; 2) Com a CES, o Governo não está a separar as situações de “maior legitimidade” das mais questionáveis: apanha todos por igual; 3) não há grupo em que se registe maior quebra de contributividade (relação entre os descontos e o valor da pensão de reforma) do que o das pensões mínimas.

Matéria não faltará para o Tribunal Constitucional analisar.

 

(Nota: O primeiro quadro foi corrigido face à versão inicial e aproveitámos para inserir a fórmula de cálculo da CES)

Elisabete Miranda