Mario Draghi, presidente do BCE e Olli Rehn, comissário europeu dos assuntos financeiros e monetários, numa reunião do Eurogrupo Fonte: Jock Fistick / Bloomberg
Num momento em que dos defensores das políticas de austeridade na Europa estão sob forte pressão, vale a pena revisar os principais argumentos que BCE, Comissão e Governo britânico têm apresentado.
Pela Comissão Europeia, Olli Rehn escreveu recentemente uma carta aos ministros das Finanças do Ecofin (com conhecimento a Lagarde do FMI) onde critica o recente debate sobre multiplicadores orçamentais – tema introduzido no debate pelo FMI – afirmando que tal não ajudou à confiança criada em torno da estratégia europeia. (Kevin O’ Rourke, com um humor, até já baptizou o comissário de Olli “don’t mention the multiplier” Rehn).
O enfoque na confiança que emana dos agentes económicos é especialmente importante na narrativa de Bruxelas, como afirmou Rehn na sexta-feira, e aliás recordava já na carta que escreveu aos ministros:
Em primeiro lugar, o crescimento na Zona Euro só deve ficar positivo gradualmente ao longo da segunda metade de 2013, e levará inevitavelmente um algum tempo até que o a melhoria da actividade económica tenha impacto na criação de emprego. Em segundo lugar, os inquéritos apontam para um aumento da confiança. Em terceiro lugar, os efeitos de confiança nos mercados financeiros estão ficar claramente visíveis, apesar do crédito à economia permanecer fraco, o que também reflecte as actuais condições económicas
(…)
O alívio da tensões nos mercados foi certamente ajudado pela decisão do BCE relativa às Transacções Monetárias Definitivas (OMT). No entanto, o OMT tem condições claras, incluindo uma estratégia orçamental credível e reformas promotoras de crescimento. As reformas permanecem no início da cadeia de causalidade.
Benoît Coueré, membro do Conselho Executivo do BCE, passou por Lisboa na sexta-feira e fez a sua própria narrativa da crise – alinhada com a da Comissão – deixando claro que o mais importante é que as reformas estruturais continuem, especialmente reduzindo salários e margens:
Tomando como ponto de partida o colapso do banco de investimento Lehman Brothers, a crise económica e financeira dura há já quatro anos e meio, o que corresponde a quase um terço do período de existência do euro. Para os países sob pressão, tem sido um período difícil, no qual se verificou uma queda pronunciada do PIB e um aumento acentuado do desemprego, especialmente entre os jovens. A vida quotidiana das pessoas ainda não apresenta melhorias visíveis. Por conseguinte, é importante focar os progressos alcançados ao longo dos últimos cinco anos e explicar como, e por que razão, podem as reformas criar receitas e emprego.
(…)
É preciso que a melhoria dos saldos orçamentais estruturais que mencionei continue, de modo a assegurar que a dinâmica da dívida permaneça sustentável. Tal impõe-se como parte do combate contra a perda de confiança no mercado. Os progressos em termos de ajustamento orçamental já impulsionaram a confiança no mercado, como indica a emissão bem-sucedida de obrigações em Portugal e na Irlanda. Não existe outra alternativa credível, atendendo a que é necessário corrigir desequilíbrios, restabelecer o acesso aos mercados e tornar a dívida sustentável, com vista a retomar um crescimento robusto e sustentável no médio prazo.
(…)
Portugal conta já com importantes realizações ao nível dos mercados de trabalho e do produto, as quais eram consideradas impossíveis de alcançar há apenas alguns anos. (…) As reformas estruturais levam tempo a fazer surtir o seu efeito benéfico na economia. Com a entrada de Portugal na segunda metade do programa de ajustamento, estes benefícios devem tornar-se cada vez mais tangíveis. Não subestimo os esforços que estas alterações exigem. No entanto, elas são necessárias para lançar as bases de um crescimento robusto e sustentável. As políticas orientadas para o crescimento não servem de substituto a um ajustamento orçamental e externo: ambos os aspetos se reforçam mutuamente.
O Ifo, liderado por Werner Sinn, publicou hoje a sua análise anual à economia europeia, onde faz um balanço bem menos positivo do ajustamento até agora na Europa (e especialmente negativo em relação a Portugal) e toca no ponto central da crise europeia (que os críticos da Comissão e do BCE têm optado por não aprofundar) – como reequilibrar uma união monetária:
The key policy question is whether they should pursue internal or external devaluation; or whether a periphery country should remain within, or exit the euro area. The answer to this question is not clear because the preferred route of internal adjustment through inflation in the core may not be available, but deflation will result in severe distortions in company balance sheets. An external devaluation, on the other hand, may entail high contagion costs, although it improves the incentives for debtor countries not to overstretch their credit limits. In addition, it also requires the redenomination of assets, liabilities and contracts prior to exit, which is likely to cause severe disruption in the short run
(…)
As we showed, a fiscal devaluation by replacing direct with indirect taxes would be a possibility worth considering
(…)
Since the beginning of the crisis, the countries of the periphery have all been undergoing adjustment, albeit to varying degrees. Whereas the Irish adjustment went a long way and Spain has made some progress in terms of productivity increases, the Portuguese, and particularly the Greek adjustments seem to be slow, to say the least. Against this background, the competitiveness crisis currently impacting some of the euro area countries looks set to continue for quite some time to come.
George Osborne, o ministro das Finanças do Reino Unido que viu o “rating” cortado também veio defender o rumo seguido pelo Governo de David Cameron:
In fact, only two major economies now have AAA ratings from all three major ratings agencies — Germany and Canada — and they have something important in common. In both countries, previous Governments used the good years to fix the roof when the sun was shining — reducing deficits and making their economies more competitive. Sadly, in Britain, the reverse was . We had the biggest structural deficit of any major economy even before the crisis hit, our banks built up the biggest debts, and our economy lost ground to the new emerging economies like China and India.
(…)
Now we have no choice but to continue the hard work of putting our house in order. That’s the only way to win in the global race.
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