Martin Wolf e Carlos Costa em Lisboa na sexta-feira Fonte: Bruno Simão/Negócios
O governador do Banco de Portugal já deu sinais no passado de, como dizem os brasileiros, não gostar de levar desaforos para casa. Basta recordar a resposta pública que deu à análise crítica que António Borges (então ainda no FMI) havia feito à dimensão financeira do programa de ajustamento português. Na sexta-feira, em Lisboa, o governador respondeu também às criticas que eurocéptico Martin Wolf acabara de fazer sobre a moeda única e, em especial, sobre a perda de soberania monetária em Portugal.
Depois de uma análise sobre as Zona Euro onde defendeu que os passos essenciais para salvar o euro ainda não estão dados (Wolf entende que o euro acabará por ser salvo, embora não necessariamente na forma actual), o economista e colunista do Financial Times respondeu a algumas questões sobre Portugal. Foi aí que desvalorizou, com Carlos Costa na primeira fila, o papel do banco central nacional:
Se não podem pedir emprestado, têm de ter austeridade. Têm uma restrição orçamental, têm de viver com ela. Vocês não podem imprimir moeda, é uma decisão vossa. Vocês é que decidiram livrar-se do banco central e partilhar o banco central com 16 outros países, quase todos deles mais poderosos do que vocês são. Perderam o financiamento do banco central – o que até pode ser uma coisa boa – e perderam o acesso ao mercado. E agora estão a trabalhar com uma restria~çao orçamental muito apertada. Terão de viver com isso.
A resposta de Carlos Costa chegou logo no início da sua intervenção. Depois de agradecer o convite para debater o futuro do euro, atirou:
O banco central da república portuguesa continua a existir e não só continua a existir como tem um impacto na política monetária da União Europeia equivalente a qualquer outro banco central, porque ao contrário das demais instituições, o banco central português, tal como os outros bancos centrais, trabalha-se com um homem um voto. O meu voto é igual dos outros, a influencia dos argumentos é que pode variar, espero que seja muita.
O governador seguiu depois na defesa da Zona Euro, explicando dos passos dados até agora e os passos que ainda falta dar (nomeadamente a importânica de uma maior integração política). Aí parece também ter usado um pouco da receita de Wolf ao defender que a Zona Euro terá muito sucesso e que isso é uma muito boa notícia não só para a Europa, mas também para o Reino Unido:
[O sucesso do euro] é também é importante para o Reino Unido pois não há grandes satélites sem grandes sistemas solares e portanto para ser um bom satélite e tirar partido de um bom sistema solar é preciso ter uma massa crítica à qual se possa ligar. O que significa que para a Europa e para o Reino Unido o futuro do euro é muitíssimo importante.
A parte destes pequenos e saudáveis embates, a conferência acabou por ser um momento rico de análise ao actual momento da Zona Euro onde um conhecido eurocéptico e um dos governadores do euro apresentaram os melhores argumentos de lado a lado. Vale a pena ler.
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