Austeridade adaptada no Banco de Portugal

09/01/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Carlos Costa (Banco de Portugal) com Christine Lagarde (directora-geral do FMI) em Lisboa, em junho, quando Lagarde visitou Lisboa em campanha para a liderança do fundo Fonte: Mario Proenca/Bloomberg  

 

Pelo segundo ano consecutivo o Banco de Portugal decidiu adaptar as regras de austeridade aplicadas à restante Administração Pública, noticia o Negócios. Questionada, a instituição lidera por Carlos Costa não explicou porque não aplicará este ano o corte do 13º e 14º meses salariais, como acontecerá em toda a Administração Pública, incluindo os restantes reguladores. Do lado ministério das Finanças também não foram dadas explicações e Vítor Gaspar, ele próprio vindo do BdP, afirmou em Outubro que não forçaria quaisquer cortes. Mas, afinal, o que vai acontecer no BdP, e porque é que o Banco pode ser excepção?

 

Sobre a austeridade adaptada no Banco de Portugal para 2012 sabe-se que não serão eliminados os 13º e 14º meses, e que Carlos Costa e a sua administração avançarão um cortes em várias regalias concedidas pelo banco aos seus trabalhadores (especificadas hoje na edição em papel). Na austeridade adaptada para 2011, o banco garantiu (em comunicado, sem explicar como) que conseguiria poupanças da dimensão das aplicadas à AP (cerca de 5% em média). Este ano, não se sabe se será assim: os cortes de dois salários para salários superiores a 1.100 euros nas AP, correspondem a uma perda salarial de cerca de 14% (na maioria dos reguladores os cortes aplicam-se à maioria dos trabalhadores).

 

Mas porque é que o BdP pode ser uma excepção? A resposta encontra-se na avaliação de que é uma instituição de excepção, protegida pela sua participação no Eurosistema, o que não permite qualquer beliscão à independência dos seus membros. O ano passado, quando desafiado nessa interpretação por Teixeira dos Santos (que chegou a garantir que o BdP também sofreria os mesmo cortes), Carlos Costa foi claro: aplicamos as mesmas poupanças, mas quem decide o que se corta é o banco. E para isso conseguiu mesmo uma valiosa opinião do BCE que constitui o documento central na garantia da sua independência. Eis o essencial dos argumentos:

 

Financial independence

 

3.2.1 The concept of financial independence is assessed from the perspective of whether any third party is able to exercise either direct or indirect influence, not only on the performance of a national central bank’s (NCB) tasks, but also on its ability, both operational in terms of manpower and financial in terms of appropriate financial resources, to fulfil its mandate. As stated in the ECB’s convergence reports and several ECB opinions on issues concerning autonomy in staff matters, as provided for under Article 130 of the Treaty, a Member State may not impair the ability of its central bank to employ and retain the qualified staff necessary to perform independently the tasks conferred on it by the Treaty, the Statute of the European System of Central Banks and of the European Central Bank (hereinafter the ‘Statute of the ESCB’) and national legislation. In addition, a Member State may not put its NCB in a position where it has limited or no control over its staff, or where the government of that Member State can influence its policy on staff matters. Autonomy in staff matters extends to issues relating to staff pensions.

 

3.2.2 In order to protect the BdP’s autonomy in staff matters, the Portuguese authorities are under an obligation to ensure that the specific set of draft provisions on which the ECB was consulted, and which are set out in paragraph 1.3, are decided on by the competent Portuguese authorities in close cooperation with the BdP8.

 

3.2.3 In the light of the BdP’s expanded tasks, including in the fields of consumer protection and the increased prudential supervisory responsibilities, notably in the field of macroprudential supervision, the ECB is particularly concerned that qualified and sufficient human resources will be required, in addition to adequate financing. The ECB refers to Opinion CON/2007/29 which highlighted the importance of having appropriate and available resources to ensure BdP’s performance of the new tasks.

Institutional independence

 

3.2.8 Taking into account that these measures go beyond what is considered necessary to give full effect to the objective of reducing public expenditure, it would be a breach of the BdP’s institutional independence if such requirement would lead to an authorisation procedure whereby staff recruitment by the BdP could be rejected by the Ministry of Finance.

 

Personal independence

 

3.2.9 The 2011 draft budget law not only affects the remuneration of the BdP’s staff, but also that of the members of its decision-making bodies. Article 130 of the Treaty requires governments of the Member States to respect the principle of central bank independence and not to seek to influence the members of an NCB’s decision-making bodies in the performance of their tasks. To comply with the Treaty requirements with regard to personal independence of members of decision-making bodies, any adjustments to the salaries of the Governor and other members of the BdP’s decision-making bodies who are involved in the performance of ESCB-related tasks should not affect the terms under which they have been appointed and should only apply to future appointments

 

Prohibition of monetary financing – use of the funds resulting from the reduction in salaries

 

3.3.1 The provisions on NCB salary reductions must also comply with the monetary financing prohibition laid down in Article 123 of the Treaty (…). This provision prohibits overdraft facilities or any other type of credit facility with the ECB or NCBs in favour of Union institutions, bodies, offices or agencies, central governments, regional, local or other public authorities, other bodies governed by public law, or public undertakings of Member States, and the purchase directly from these public sector entities by the ECB or NCBs of debt instruments.

  

Resumindo, um banco central não pode ser afectado na sua capacidade de actuar como banco central do eurosistema e como regulador, muito menos condicionado na sua independência. Isto não quer dizer que quaisquer medidas de austeridade têm de ser coordenadas com o banco central. No limite, só com o seu aval é que o banco aceita cortes em salários, pois só assim fica garantida a sua independência e capacidade de actuação. Também os membros da administração estão salvaguardados durante os respectivos mandatos. Finalmente, quaisquer poupanças não podem ser usadas para reduzir o défice público, pois ao banco central não permitido financiar o Estado. 

  

Um banco central tem, de facto, competências e exigências notáveis, no campo da política monetária, da supervisão. No caso português ainda mais, visto que é a assinatura de Carlos Costa que se junta à de Vítor Gaspar nos memorandos de entendimento com a troika.

 

Não é assim de estranhar a importância de conceder independência concedida à instituição. E é por isso que o BdP tem o poder de adaptar a sua austeridade, um poder que não é concedido a mais nenhum regulador ou serviço público português. Pode, mas será que deve?   

 

Rui Peres Jorge