As privatizações não resolvem a crise

11/07/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

Apresentei um novo objectivo no sentido de antecipar já para o terceiro trimestre algumas das privatizações previstas ainda para este ano, nomeadamente a da REN e da EDP. Quanto mais  depressa nós conseguirmos abrir a nossa economia a capitais externos, à  concorrência e à liquidez dentro da nossa economia melhor garantiremos o retorno do crescimento a médio prazo e mais suave será a crise para os portugueses

 

Pedro Passos Coelho

 

 

A Grécia, sob pressão financeira e europeia, aprovou há duas semanas um pacote de privatizações no valor de 50 mil milhões de euros, um volume de venda que lembra a muitos o processo vivido pela Alemanha de leste após a queda do muro de Berlim. A 2.900 quilómetros de distância, em Lisboa, o executivo português defendia, no mesmo dia, no respectivo Parlamento, o seu programa de Governo que inclui um programa de privatizações, bem mais modesto mas, ainda assim, volumoso no montante (mais de cinco mil milhões de euros) e nas intenções (moderar os efeitos da crise sobre os portugueses).

 

As palavras de Passos Coelho no Parlamento decalcam, de resto, as da Comissão Europeia no último relatório sobre a situação na Grécia, na parte em que defende o programa de privatizações (por exemplo página 33 do documento).

 

Em síntese, em Lisboa e em Atenas, a justificação para os programas de privatizações centram-se em três argumentos: 1) as privatizações ajudarão a resolver a actual enorme pressão sobre a sustentabilidade da dívida pública; 2) A gestão privada vai superar significativamente a gestão pública gerando mais riqueza e crescimento; 3) Das privatizações resultará mais concorrência, especialmente se entrar capital estrangeiro, tornando (toda) a economia mais competitiva.

 

Havendo méritos e verdade em cada um dos argumentos, é importante perceber em que medida são relevantes para resolver de forma equilibrada e sustentada as problemas da Grécia e de Portugal.

 

Argumento #1: As privatizações ajudarão a resolver a actual enorme pressão sobre a sustentabilidade da dívida pública

 

Esta é uma das linhas centrais da argumentação da Comissão, FMI e BCE. Se abaterem à dívida pública os mil milhões de euros a arrecadar nos próximos anos com privatizações, os países visados conseguirão aliviar parte da pressão da dívida pública. Segundo a troika essa é, aliás, a única forma de devolver a sustentabilidade orçamental à Grécia. Especialmente o BCE tem defendido as privatizações como o factor de envolvimento do sector privado no resgate à Grécia – criticando duramente o “outro” envolvimento do sector privado através da reestruturação da dívida grega, um dossiê que anda nos últimos dias a ser negociado entre os bancos e os governos europeus.

 

Não restando dúvidas sobre a existência de impacto orçamental das privatizações, resta saber se, a longo prazo, ele será assim tão significativo. Daniel Gros, do CEPS, e Paolo Manace, da Universidade de Bolonha, defenderam recentemente, em artigos distintos, que não.  

 

Na sua contribuição no VOX, Manace lembra que as privatizações implicam a alienação de activos que geram eles próprios receitas, pelo que a sua alienação elimina encaixes financeiros futuros, subtracção que tem de ser considerada na avaliação do impacto orçamental intertemporal. Matematicamente, aliás, um efeito deveria ser igual ao outro, pouco ou nada fazendo pela solvabilidade orçamental do País (O Público, por exemplo, estimou em 237 milhões de euros o valor dos dividendos anuais perdidos com as privatizações)

 

Daniel Gros, alinha pelo argumento anterior, mas acrescenta-lhe um outro efeito negativo. Em a “Privatização não é a salvação“, Gros defende que as privatizações vão até aumentar o prémio de risco dos títulos de dívida pública com maturidades mais longas. Isto porque, ao reduzir o volume activos detidos pelo Estado, as privatizações reduzem também as garantias que os investidores têm de que serão reembolsados no futuro – aumentando desta forma o risco de incumprimento, especialmente se esse risco já for percepcionado elevado pelos investidores.

 

Em sua defesa a Comissão argumenta que, pelo menos no caso grego, muitos dos activos são mal geridos e não estão a gerar receitas. 

 

 

Argumento #2: A gestão privada vai superar significativamente a gestão pública gerando mais riqueza e crescimento; 

 

A julgar pela evidência histórica é possível – e até provável – que a gestão privada dos activos privatizados venha a superar a gestão pública. Mas também aqui trata-se de perceber se esses ganhos suportam, por si, o argumento a favor da venda num momento de grande tensão como o actual com activos muito desvalorizados.

 

Também aqui Manace entende que não. A partir do trabalho de Meggisson e Netter “From State To Market: A Survey Of Empirical Studies On Privatization” o economista italiano confirma os ganhos na gestão, mas considera, com base simulações próprias, que não chegarão para fazer a diferença e justificar a venda.

 

Nesta frente, Daniel Gros socorre-se de dimensões macroeconómicas: segundo as suas contas para a Grécia, os 50 mil milhões de euros de privatizações correspondem a menos de 10% do “stock” de capital da economia (excluindo terras), pelo que, mesmo com ganhos significativos de rentabilidade e gestão dos activos vendidos, o impacto global no PIB grego é sempre pequeno. Para Portugal, onde o pacote de privatizações é quase dez vezes inferior, a conclusão será semelhante.

 

Os defensores das privatizações lembram, por seu lado, que muitos dos sectores privatizados terão um impacto multiplicador na economia. Exemplos típicos: comunicações e energia.    

 

  

Argumento #3: das privatizações resultará mais concorrência, especialmente se entrar capital estrangeiro, tornando (toda) a economia mais competitiva.

 

Num contexto de monopólios naturais privatizados quem levará a melhor: os lucros privados ou o serviço público e o crescimento?

 

“A maioria dos activos preparados para a primeira ronda de vendas são utilities e outros monopólios naturais. Transferi-los para mãos privadas pode aumentar os lucros dos monopolistas, mas não o crescimento”, responde Daniel Gros no seu artigo sobre o caso grego.

 

Em Portugal não é diferente: a prioridade foi dada à EDP e à REN, empresas inseridas em monopólios naturais, com lucros. É certo que a troika impõe melhorias nos sistemas regulatórios dos países intervencionados, mas conhecendo as fraquezas identificadas pela própria troika nesta frente, é difícil ficar descansado sobre o futuro.

 

Chegados aqui, ao confrontar as posições oficiais com as de outros economistas, tende-se a concluir que os pacotes de privatizações incluídos nos programas de ajustamento confirmam que, face ao colapso financeiro, a troika e os líderes europeus entendem que, em troca da assistência, os países intervencionados devem, além dos juros, proceder a um pagamento adicional através da alienação – a preços relativamente baixos – de uma parte significativa de activos próprios, os quais serão comprados por empresas de países ricos ou financeiramente saudáveis, muitas delas europeias.   

 

A imposição desse “pagamento adicional” pode ser defendido como importante factor disciplinador da gestão financeira futura dos países visados, necessário para evitar uma reestruturação da dívida pública (que impõe, em princípio, mais custos aos credores) e inevitável face à incapacidade europeia de desenhar uma solução para a crise. Mas se assim for, então será mais rigoroso usar esses argumentos, do que as promessas de ganhos de eficiência e crescimento, efeitos que, privatizações em larga escala neste momento de “stress”, dificilmente conseguem suportar.    

Rui Peres Jorge