Afinal, Passos quer que as empresas puxem a si o que o Governo não puxou ao Estado

21/10/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

Num post anterior demos conta do contributo relativo que famílias, Estado e empresas vão oferecer para a redução do défice público no próximo ano sublinhando que “os patrões, que contribuem com 8% para a consolidação orçamental, parecem agora querer puxar a si, o que o Governo não puxou ao Estado, ficando para as suas contas com o dinheiro que não foi exigido para a consolidação orçamental” através de reduções salariais. Ora esse parece ser mesmo o desejo do Governo. Mas porquê?

 

Como a Catarina Almeida Pereira apanha bem no discurso de hoje de Passos Coelho, há no Governo a visão de que a par com a redução de custos com pessoal no Estado, Portugal deverá experimentar uma redução de custos com pessoal no sector privado. Diz o primeiro ministro:

 

Sabemos que a racionalização de custos no sector privado significará em muitos casos um aumento do desemprego, a redução de salários ou de outras compensações como os bónus, benefícios e prémios de desempenho (…)

 

Acrescentando:

 

Mas os sacrifícios associados à redução de custos operacionais no sector privado terão que servir para melhorar a competitividade das nossas empresas. O que vale por dizer que não devem estar ao serviço do esforço de consolidação orçamental, mas do crescimento económico (…) Por estes motivos, seria tão injusto quanto imprudente fazer a consolidação orçamental que não predominantemente pelo lado da despesa (…) seria imprudente agravar ainda mais a carga fiscal do sector privado

 

As previsões económicas inscritas no Orçamento do Estado são bastante explícitas quanto à ambição do Governo no reequilíbrio da economia: no próximo ano, não só o défice orçamental primário (o que exclui juros e um dos mais considerados por analistas e “opinion makers”) deverá ser positivo como, mais surpreendente, se prevê um défice da balança de transacções correntes de 3,9% do PIB.

 

  

 

Uma consulta à base de dados AMECO (Comissão Europeia) mostra que na sua história democrática Portugal registou apenas por duas vezes um saldo corrente tão pouco deficitário: em 1979 e em 1986, ambos por alturas de intervenções externas. O resultado de 2012 depende assim de uma forte desvalorização interna, traduzida numa redução significativa de salários (públicos e privados): só assim, parece entender o Governo, será possível reduzir as importações (devido às quedas de rendimento e consumo interno) e aumentar as exportações (através de redução de custos nas empresas exportadoras) na dimensão necessária para tornar realidade as projecções do Orçamento do Estado.

Rui Peres Jorge