A quimera do ouro

06/06/2012
Colocado por: Elisabete Miranda

Durante anos a fio fomos ouvindo consultores fiscais, advogados e políticos a repetirem que, se se resolvessem os casos em disputa nos tribunais tributários, os problemas orçamentais do País ficariam a meio caminho da sua resolução.

 

Mas, a julgar pelo que explicou em entrevista ao Negócios o presidente do Supremo Tribunal Administrativo, António Calhau, tudo não tem passado de uma grande ilusão, assente num erro básico de conceitos.

 

Quando se diz que estão por julgar, nos tribunais, 7 mil milhões de euros, isto está longe de significar que o valor de impostos em disputa seja desta magnitude. Os 7 mil milhões de euros respeitam ao chamado valor processual, que representa o montante do processo em disputa – bem diferente do valor dos impostos que estão em causa.

 

Para se ilustrar a diferença, tome-se um dos exemplos usados pelo presidente do STA e, por inerência, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais: um contribuinte declara que pagou pela sua casa 100.000 euros, mas o Fisco fixa-lhe o valor de venda nos 150.000 por considerar que este é o seu valor patrimonial tributário. Em termos de diferença de IMI a pagar, estão em causa cerca de 200 euros. Mas o caso é registado no tribunal por 150.000 euros (o tal valor processual) e não pelos cerca de 200 euros.

 

A confusão entre o valor do processo e o valor da dívida subjacente terá levado ao engano a própria troika, que esperava mais de uma das medidas de descongestionamento dos tribunais que prevê a aceleração das sentenças de todos os casos de valor superior a um milhão de euros (que, afinal, não respeitam a impostos de valor superior a um milhão de euros).

 

Junte-se a isto factores como 1) a falta de pessoal, motivada pelas restrições ao recrutamento, 2) a desmobilização dos funcionários que lá estão por cortes draconianos nos salários, 3) o facto de alguns processos já nem terem um sujeito a quem imputar a dívida, 4) as novas disputas que dão entrada, e 5) a probabilidade de boa parte dos processos serem ganhos pelos contribuintes, e percebe-se que (também) aqui nao há milagres.

 

A dimensão da quimera será conhecida quando o Governo finalmente divulgar quantos processos já ganhou, entre os 109 que já transitaram em julgado, e quanto é que o Estado encaixou efectivamente de receita.

 

Elisabete Miranda