A maior queda do PIB desde 2009

07/12/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

Exportações e consumo atiraram economia para contracção de 3,5%. José Miguel Moreira do Montepio, a equipa de economistas do NECEP/Católica e Filipe Garcia apontam o mau desempenho das exportações como um dos factores determinantes na queda homóloga de 3.5% do PIB no terceiro trimestre, que é a maior desde segundo trimestre de 2009.

     

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
 

1. A estimativa final do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) português do 3ºT2012 revelou uma contracção em cadeia de 0.9%, ligeiramente superior à queda de 0.8% reportada na estimativa inicial, a qual, recorde-se, já se havia revelado superior às nossas perspectivas, bem como à mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (-0.6%).

 

2. Apesar de em ligeiro abrandamento face à queda de 1.0% observada no 2ºT2012 (revista dos anteriores -1.1%), tratou-se de uma nova forte contracção, depois de no 1ºT2012 a economia apenas ter caído 0.1% (naquela que continua a ser a menor contracção do actual período de recessão, que já dura há 8 trimestres). Com este novo tombo, o PIB caiu para níveis mínimos desde o 3ºT2003. Em termos homólogos o PIB contraiu 3.5% (-3.4% na estimativa preliminar), a maior queda desde o 2ºT2009, depois do decréscimo de 3.1% observado no 2ºT2012 (revisto dos anteriores -3.2%). 

 

3. Em termos anuais, continuamos a apontar para uma queda do PIB em 2012 na ordem dos 3.0%, em linha com o previsto pelo Banco de Portugal e pela troika. Esta nossa previsão tem implícita uma nova forte contracção trimestral da actividade económica no 4ºT2012, para valores em torno dos 1.0%, em natural agravamento, reflectindo o recente anúncio de um novo conjunto de fortes medidas de austeridade para 2013 – que representam um enorme aumento da carga fiscal, com destaque para a redução do número de escalões de IRS e para a aplicação de uma sobretaxa de IRS –, medidas que acabaram desde logo por se começar a reflectir na confiança e atitude dos agentes económicos.

 

4. Recorde-se que com a divulgação da Proposta de OE 2013, revimos também em forte baixa a previsão de crescimento para 2013, para uma queda de cerca de 2.0%, bem mais acentuada do que a prevista no OE 2013 (-1.0%). A economia apenas deverá retomar o processo de recuperação (em cadeia) no final de 2013, mas a ritmos baixos, continuando condicionada pela desalavancagem do sector privado e pela consolidação orçamental. 

 

5. Regressando aos dados em cadeia do PIB do 3ºT2012, deverá ter-se noção que a queda de 0.9% agora reportada pelo INE nas contas nacionais é, como temos vindo a referir, bastante difícil de compatibilizar com os dados mensais de actividade divulgados pelo INE, para a produção industrial, volume de negócios nos serviços e produção na construção, já que no conjunto do 3ºT2012, segundo aqueles dados mensais registaram-se crescimentos em cadeia, o que per se indiciaria um crescimento da actividade económica. Uma explicação é que tenham acusado alguma dificuldade nos ajustamentos de sazonalidade das séries devido às férias.

 

6. Além do referido eventual erro no ajustamento de sazonalidade por parte do INE, parte deste puzzle do lado da oferta poderá estar também associado ao facto de ser frequente haver algumas discrepâncias entre, por um lado, os dados dos indicadores mensais e os dados do VAB dos respectivos sectores e, por outro, entre os dados do VAB e os do PIB, embora, em teoria, correspondam exactamente à mesma realidade. 

 

7. Detalhando a análise, esta estimativa final veio confirmar na generalidade o que havíamos antecipado acerca do comportamento das diversas componentes do PIB na óptica da despesa, com a procura interna a ter como esperado permanecido condicionada no 3ºT2012 pelos efeitos das fortes medidas de austeridade, evidenciando um contributo negativo para o crescimento PIB (-0.2 p.p. vs -2.7 p.p. no 2ºT2012), mas, ao contrário do que havíamos admitido, reflectindo quebras somente do consumo privado e do consumo público (com contributos de -0.2 p.p. e -0.4 p.p., respectivamente). Com efeito, o investimento em capital fixo (FBCF) acabou por evidenciar um contributo positivo (antecipava-se um ligeiro decréscimo), corrigindo ligeiramente da forte contracção do trimestre anterior (+0.1 p.p. vs -1.9 p.p. no 2ºT2012), com a variação de existências, por sua vez, a ir ao encontro das nossas perspectivas, apresentando um contributo positivo de 0.2 p.p., com o investimento total a evidenciar assim um contributo de 0.3 p.p. para o crescimento do PIB (-1.9 p.p. no trimestre anterior). Mas a principal causa para esta forte queda da actividade foi, como havíamos referido aquando da estimativa preliminar, o contributo negativo das exportações líquidas (-0.7 p.p. vs +1.7 p.p. no 2ºT2012), refletindo um forte crescimento das importações e uma ligeira queda das exportações.

 

 

Núcleo de Estudos de Conjuntura sobre a Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica

 

1. No 3º trimestre de 2012, o PIB registou uma quebra de 0,9% face ao trimestre anterior, contraindo 3,5% em termos homólogos (-1,0 % e -3,1%, respectivamente, no 2º trimestre). Este registo fica abaixo da tendência recente do PIB e constitui o oitavo trimestre consecutivo de contracção da economia face ao trimestre anterior.

 

2. O crescimento do PIB no 3º trimestre de 2012 traduz uma ligeira revisão em baixa (0,1 p.p.) face à estimativa inicial do INE, mas o quadro geral não se alterou, mantendo-se a perspectiva de uma contracção do PIB em 2012 próxima dos 3%. Apesar de tudo, é importante salientar os seguintes aspectos.

 

3. Em primeiro lugar, o resultado anómalo verificado no 1º trimestre de 2012 (quebra em cadeia do PIB de apenas 0,1%) face ao que tem sido o cenário dominante desde o início do programa de ajustamento. Tudo indica que o dado do 1ºT de 2012 se ficou a dever à reposição de stocks, mas também a efeitos de calendário anormais como o facto de estarmos num ano bissexto. Neste sentido, é possível que a dinâmica real do PIB seja pior do que a estimada actualmente. Neste contexto, é de notar que o INE reviu hoje em forte alta o crescimento do PIB de 2010 (de 1,4% para 1,9%). Desde o final de 2008 que vivemos em circunstâncias económicas anormais, que dificultam ainda mais a mensuração da actividade económica, o cálculo de sazonalidades e a estimativa de deflatores.

 

4. Em segundo lugar o crescimento do investimento face ao trimestre merece registo mas esta melhoria é basicamente insignificante, tendo em conta as fortes quebras verificadas em períodos anteriores, a quebra homóloga de 14% registada no trimestre e a dinâmica extraordinariamente negativa que este agregado continua a exibir (com uma quebra de 40% em termos reais face ao pico verificado em 2000).

 

5. Em terceiro lugar, merecem realce os dados das exportações já que este é o segundo trimestre consecutivo em que as exportações de bens registam uma contracção em termos reais, o que em si mesmo deve ser motivo de preocupação.

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros
 

1. Para que o processo de convergência orçamental original tivesse alguma hipótese de ter sucesso, seria necessário que a economia portuguesa tivesse já estabilizado em termos de queda do produto. Os números do INE confirmam o que todos observam – essa estabilização ainda não ocorreu. Desta forma, o cumprimento dos objectivos será adiado e dada evolução do montante da dívida pública, colocam-se dúvidas sobre a sustentabilidade nas actuais condições.
 

2. A trajectória global da economia portuguesa continua a ser negativa, reflectindo as condições que já vinham de trimestres anteriores, nomeadamente as dificuldades de financiamento, queda da confiança, desaceleração da Zona Euro e medidas de austeridade que afectam empresas e famílias.
 

3. É provável que a greve dos portos e a situação económica em Espanha tenham contribuído para uma desaceleração nas exportações (e também em algumas importações), deteriorando mais o PIB. O único “o motor” de crescimento da economia continua a ser a procura externa. Ainda que seja um modelo com virtudes, coloca a economia portuguesa vulnerável ao ciclo global, nomeadamente ao comportamento da economia da União Europeia, para onde se dirigem cerca de 75% das exportações nacionais. Notar ainda que as perspectivas para Espanha – o principal cliente de Portugal com cerca de 24% das exportações – são negativas, o que se traduz num factor de risco adicional.
 

4. Após se conhecer a desagregação do número, vale a pena destacar um aspecto que tem sido pouco focado, apesar de toda a cobertura mediática em torno da economia portuguesa – a evolução do investimento, sobretudo no ramo de “Outras Máquinas e Equipamentos. O investimento tem contribuído negativamente para ao produto, o que é um sinal preocupante e reflecte simultaneamente as dificuldades de financiamento e a falta de confiança dos agentes económicos. O facto de o investimento continuar em queda constitui um elemento de preocupação relativamente à capacidade de a economia se conseguir renovar e adaptar do ponto de vista competitivo. Notar que a previsões mais recentes do BdP voltam a apontar para uma queda substancial do investimento no próximo ano. 

 

5. As condições concorrenciais das empresas portuguesas, em termos de acesso ao financiamento, continuam a prejudicar a sua actividade no contexto internacional.

 

Rui Peres Jorge