Alguma perspectiva sobre o investimento

07/09/2016
Colocado por: Nuno Aguiar

construção

 

Nas últimas semanas, muito se tem falado sobre os maus resultados do investimento em Portugal. Se as notícias são inegavelmente negativas, também vieram acompanhadas de análises exageradas ou pelo menos pouco ancoradas nos dados.

 

Vamos por partes. O que motivou toda esta conversa sobre investimento? Essencialmente, os dados de contas nacionais do INE para o segundo trimestre, que apontam para uma contracção de 3,1% da formação bruta de capital fixo (FBCF), que é a designação estatística para investimento. Inclui a construção de uma nova sede para a empresa, a compra de dez novas máquinas ou o desenvolvimento de uma patente. Estes -3,1% são a maior queda deste indicador em três anos e surge depois de já se ter observado um recuo de 1,7% nos primeiros três meses de 2016. A queda do investimento, em conjunto com um crescimento desapontante do consumo privado, levaram ao crescimento mais baixo da procura interna em três anos.

 

Bastante deprimente, não é? Bom, é um post sobre investimento em Portugal, queriam o quê? De facto, estas variações homólogas negativas são uma desilusão. Ainda mais se pensarmos que entre 2014 e meados de 2015, o investimento parecia ter entrado numa trajectória de recuperação relativamente sólida. Em baixo estão as variações homólogas do investimento desde 2011.

 

Não demorou muito até começarmos a ver opiniões e análises a argumentarem que estas duas quebras consecutivas se devem a medidas anti-investimento realizadas pelo Governo de António Costa. Mais que as medidas, haverá uma atitude anti-iniciativa privada, que levou à perda de confiança dos empresários portugueses e afastou interesse de grupos estrangeiros colocarem dinheiro em Portugal.

 

No entanto, ao olharmos para os números, parece-me muito complicado defender que se tenha assistido a qualquer inversão de ciclo no investimento desde que este Governo tomou posse. Veja-se em baixo o que aconteceu à FBCF desde 1995, primeiro ano para o qual o INE tem dados. Em vez de variações homólogas, em baixo estão os valores de investimento, expressos em milhões de euros (expurgados do efeito da inflação).

 

 

Alguém consegue descortinar uma inversão drástica de tendência desde que temos um novo Governo? O que eu vejo é um investimento em dificuldades desde 2008, que entra em colapso entre 2011 e 2013. A hemorragia é estancada e inicia-se uma recuperação lenta, que é interrompida em meados de 2015. Em baixo poderá ver o gráfico apenas para o período da troika.

 

 

Ou seja, as dificuldades que se identificam agora no investimento precedem a troika, agravaram-se durante o programa de ajustamento, recuperaram ligeiramente e começaram a perder folgo após os primeiros três meses do ano passado. Depois de um crescimento homólogo de 8,6% no primeiro trimestre de 2015, as variações homólogas foram diminuindo até entrarem em território negativo. Parece difícil justificar este arrefecimento com a actuação deste Governo. Aliás, lembra-se do primeiro gráfico deste post com as variações homólogas do FBCF? Vejamos o que acontece quando incluímos todos os anos desde 1995 (em baixo). Salta imediatamente à vista a dimensão da crise durante os anos de recessão, da qual teríamos inevitavelmente que recuperar. Mas também mostra como o primeiro trimestre de 2015 foi uma espécie de excepção nas últimas duas décadas. Aliás, foi o maior crescimento do investimento desde 1998.

 

 

Outra hipótese que temos de considerar é se o problema não está concentrado. Talvez não saiba, mas quase metade de todo o investimento feito em Portugal vem da construção (já foi mais de 60%, mas a crise obrigou-o a emagrecer). Se tirarmos a construção da equação, isto é o que está a acontecer ao investimento noutras rubricas:

 

 

Hmm… Não se vislumbra propriamente um desastre. Aliás, observam-se até desenvolvimentos positivos no equipamento de transporte e em “outras máquinas, equipamentos e sistemas de armamento”. Então e o que acontece quando olhamos isoladamente para a construção? A sua evolução segue a tendência geral do investimento: um declínio brutal, seguido de uma estagnação. Ainda hoje, o Negócios lembra o enorme problema de malparado que as empresas de construção têm, com mais 35% do seu crédito em incumprimento.

 

 

Mas a variação do investimento pode ainda não reflectir um afundar da confiança. Adicionalmente, podemos olhar para os dados de clima económico, que reflectem as respostas dos empresários aos inquéritos do INE. E aí parece existir uma tendência de recuperação desde Dezembro do ano passado, depois de uma quebra abrupta nos últimos quatro meses de 2015.

 

 

O objectivo deste post não é desvalorizar os problemas do investimento. Pelo contrário, eles são centrais para perceber por que é que a economia não está a crescer e devem preocupar os responsáveis políticos. Também não pretende avaliar se as medidas ou a comunicação deste Governo são boas ou más para o investimento. Mas argumenta que é preciso ser criativo para ver na actual legislatura alguma cisão face à anterior, que tenha colocado em causa a confiança para investir em Portugal. Talvez no final do ano possamos chegar a essa conclusão, mas para já ela é precoce.

 

A quebra do investimento começou em 2008 e parece estar fortemente ligada ao verdadeiro colapso vivido pelo sector da construção. A sangria estancou em 2013 e a recuperação iniciada no ano seguinte começou a perder gás a partir do primeiro trimestre de 2015.

 

Isso significa que o Governo de António Costa fica ilibado de responsabilidades? Nem pensar. O principal obstáculo identificado pelos empresários portugueses são consistentemente as fracas perspectivas de vendas. Uma crítica clara que se pode dirigir ao actual Executivo é que a sua estratégia de devolver rendimentos para estimular a procura – e assim criar um ciclo virtuoso de consumo, investimento e emprego – não está a dar os frutos esperados. Para já, é uma desilusão. 

 

Nuno Aguiar