Armas de fogo nos EUA: indústria à prova de crise

18/12/2012
Colocado por: Nuno Aguiar

 Até hoje, Obama nunca quis enfrentar o lobby da indústria de armamento. Fonte: Olivier Douliery/Bloomberg

 

O segundo maior massacre de sempre numa escola norte-americana mergulhou os Estados Unidos numa nova reflexão sobre o acesso e posse de armas de fogo. Adam Lanza, de 20 anos, matou 20 crianças de seis e sete anos e sete adultos com uma Bushmaster de calibre .223. Uma espingarda de assalto semi-automática com cartuchos de 30 balas, utilizada pelo exército dos EUA no Afeganistão. Foi a mãe – também assassinada – que o ensinou a disparar.

 
Apesar de os americanos – e a Administração Obama – terem assistido a vários assassinatos em massa em escolas, cinemas, templos e até a tentativa de homicídio de uma congressista, esses acontecimentos não provocaram um arrefecimento da sua relação com as armas. Muito pelo contrário, os números mostram que nunca se venderam tantas armas nos EUA, fazendo o sector atravessar um período de enorme expansão.
 

Só em Novembro, o FBI fez mais de dois milhões de investigações de cadastro exigidas na compra de armas. O valor mais alto de sempre desde que se iniciou este registo, em 1998. No total do ano, já são 16,8 milhões. Outro recorde. E estes números nem sequer incluem vendas privadas entre cidadãos ou compras que envolvam mais que uma arma. Actualmente, os EUA lideram destacados o ranking de número de armas por 100 habitantes com uns impressionantes 89. O segundo classificado é o Iémen, com 54,8 armas por cada 100 pessoas, seguido pela Suíça com 45,7.

 
O tema tem estado totalmente fora da agenda política de Barack Obama. E há várias razões para isso. Por um lado, a indústria do armamento tem um peso significativo na economia norte-americana, movimentando 13,6 mil milhões de dólares directos e 31,8 mil milhões contando com toda a cadeia de fornecedores, distribuição e venda. São 24 mil milhões de euros, o equivalente a 15% do PIB português. Entre 2008 e 2011, o valor directo e indirecto cresceu 100% e 66,5%, respectivamente. O sector emprega quase 100 mil pessoas, com um total de 210 mil postos de trabalho indirectos (mais 30% e 26,2% que em 2008). No ano passado pagou 5,1 mil milhões de dólares em impostos. As duas cotadas em bolsa – Smith & Wesson e Sturm Ruger & Co – viram os lucros crescer 200% e 140% desde 2008. No início deste ano, a Sturm Ruger até teve de deixar de aceitar novas encomendas por estar sem capacidade de resposta.

 
A outra razão é política. A segunda emenda à Constituição dos Estados Unidos refere que “o direito do povo de ter e portar armas não será infringido”. É esta a trincheira dos conservadores e dos republicanos. E é em torno desta pequena passagem que todo o debate tem decorrido. A inscrição na Constituição dificulta qualquer iniciativa legislativa de controlo de posse de armas. Além disso, os norte-americanos sempre se mostraram muito divididos neste tema, com um número crescente daqueles que defendem que esse direito não deve ser limitado.

 
Talvez mais importante que isso, Barack Obama nunca quis enfrentar o poderoso lobby da National Rifle Association (NRA), temendo uma perda ainda maior do apoio de uma franja da população onde a sua popularidade já muito baixa: homens brancos. Apesar de o sector estar em franco crescimento, a NRA tem atacado constantemente o Presidente norte-americano, argumentando que ele se prepara para aprovar leis que proíbam a compra de armas. Nas eleições presidenciais de 2012, por cada euro gasto por todos os grupos favoráveis a uma limitação do acesso a armas, a NRA gastou 10. O mais interessante é que esta estratégia tem beneficiado largamente a NRA e os seus principais apoiantes. Os analistas têm referido que o crescimento significativo das vendas nos últimos quatro anos se deve a uma antecipação do consumo, motivada pela narrativa da NRA. O senador democrata Mark Pryor brincava que Obama se transformou, por si só, num “programa de estímulo para a indústria do armamento”.

 

Apesar destas dificuldades e de uma agenda recheada de batalhas, entre elas o decisivo “precipício orçamental”, os democratas deverão tentar apresentar legislação para um controlo mais apertado da posse de armas. Para já, a tragédia da escola Sandy Hook trouxe duas consequências: o número de americanos que favorece mais restrições na compra de armas aumentou de 42% para 50%; e… as vendas de armas dispararam desde o dia do massacre.

 

Actualização: Barack Obama abandonou um discurso mais vago e assumiu o seu apoio a legislação que proíba a compra de armas de assalto nos EUA (15h40).

Nuno Aguiar