Fonte: Nelson Ching/Bloomberg (Beijing, China)
Número de pedidos relativos a videovigilância em locais públicos que deram entrada na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), entidade independente que o Governo pretende “esvaziar” de poderes num projecto de lei entregue no Parlamento. E que a Comissão e os especialistas consideram ser inconstitucional.
Mais fácil, mais rápido e durante mais tempo. A instalação e captação de imagens através de sistemas de videovigilância vão ser generalizadas, caso o Parlamento aprove a 15 de Dezembro as alterações à lei introduzidas pelo Governo. Entre outras alterações, a permissão deixa de depender do parecer da Comissão de Protecção de Dados – é dada ao ministro que tutela a força de segurança a competência para avaliar “a possibilidade e o grau de afectação de direitos pessoais” através do uso da videovigilância –, que passa também a ter um prazo de 60 dias para a emissão do parecer, que é reduzido apenas à pronúncia sobre a “conformidade técnica” do pedido e à fiscalização da utilização das imagens. O período de autorização é também alargado de um para dois anos e a licença é renovada automaticamente, sem precisar de aguardar a anuência das autoridades.
Por regra, esta entidade “salta” para as páginas dos jornais quando se pronuncia negativamente sobre os pedidos que lhe chegam para a instalação de videovigilância, o que lhe vale a imagem pública de entidade que até agora mais pressão exercia para controlar a disseminação de câmaras pelo País. Mas no parecer emitido esta semana, a CNPD mostra igual taxa de aprovação e reprovação de pedidos: 6 foram aceites (um deles, o da praia da Rocha, em Portimão, só parcialmente) e 6 foram chumbados.
À CNPD, até à data, apenas chegaram os seguintes 12 pedidos relativos a esta lei: Ribeira do Porto (positivo), praia da Rocha – Portimão (parcialmente positivo), santuário de Fátima (positivo), centro histórico de Coimbra (positivo), zona industrial de Bragança (negativo), Almeirim (negativo), Batalha (negativo), Estarreja (negativo), Amadora (primeiro parecer negativo, o segundo em apreciação), Bairro Alto – Lisboa (positivo), Baixa Pombalina – Lisboa (negativo), cimeira da NATO de 2010 (positivo).
A Provedoria de Justiça identificou ao Negócios várias queixas recebidas nos últimos anos relacionadas com o uso da videovigilância, em locais e contextos tão díspares como um museu, um hospital militar, no local de trabalho e até de um vizinho.
Nesse mesmo parecer sobre o projecto de lei do Executivo, a CNPD alega que o projecto “padece do vício de inconstitucionalidade material” por remover o princípio constitucional de que apreciação e autorização devem partir de uma entidade independente. Denuncia ainda no mesmo documento que, ao estabelecer que as alterações à lei são também aplicáveis aos processos já em curso, há uma violação ao princípio constitucional da “não retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias”.
A maioria parlamentar PSD-CDS acusou a pressão exercida sobre o processo legislativo, tendo mesmo os social-democratas aconselhado já a CNPD a não “extravasar as suas competências” e a deixar a apreciação sobre a legalidade do diploma para o Tribunal Constitucional. “Veio a CNPD, através de uma funcionária administrativa em representação da comissão propriamente dita, fazer oposição política a um membro do Governo por um lado e, por outro, tentar condicionar a acção da Assembleia da República em matéria legislativa”, criticou a deputada Teresa Leal Coelho, visando uma entidade que depende (administrativa e orçamentalmente) do próprio Parlamento.
O constitucionalista Alexandre Sousa Pinheiro e o advogado Luís Neto Galvão, especialista em privacidade e protecção de dados pessoais da SRS, concordam que deixar em exclusivo nas mãos do ministro a autorização para instalar videovigilância nas ruas viola a protecção constitucional ao direito à privacidade e no que toca ao tratamento de dados pessoais através de uma entidade administrativa independente.